quarta-feira, 20 de março de 2013

Canto de outono


Faz dias que acorda sempre no mesmo horário. Acorda todo dia, na hora mais escura. Naquela hora em que a noite principia o fim, e o dia pressupõe o início. Acorda no silêncio ensurdecedor da noite negra, e nua. Noite que já é quase dia, mas ainda não. Acorda no presságio, todo dia. Consulta as horas, é sempre a mesma hora. Quatro e meia da madrugada. A hora mais escura do dia. A hora mais silente da noite. Acorda no meio do nada, no meio da cama, toda embolada. Acorda assustada, acorda do sonho. Toda noite o mesmo, todo dia na mesma hora. Nesta hora inútil do dia, em que a noite finda, e nada é, ainda.
Abre a janela, deixa entrar o ar. O ar está frio na noite que se esvazia, no dia que se anuncia. Olha para fora, quer ver estrelas. Não há estrela, só nuvens, e prédios, e um poste ao longe, mal iluminado. É escuro e faz silêncio. É outono e ninguém canta. Nenhum pássaro sequer. Nem pode culpar os sabiás por seu precoce despertar, já que não é primavera.  Na primavera são eles que a despertam, bem cedo. Dizem que, na primavera, o sabiá canta o amor nas madrugadas do Sul.
Mas não no outono. Talvez ele sinta frio no outono, está fazendo frio já. Talvez ele acredite que não há amor no outono. Que amor encolhe no frio. Ou pode ser que ele pense que não tem amor porque não tem flor. Ele nem sabe. Que não tem flor no outono, mas tem fruta. Outono é tempo de fruta doce. De bergamota no sol. No Sul. Outono não tem flor, tem folha que voa, tem fruta que cai. Fruta é flor no outono. Outono é tempo de colheita. Tempo de espera. É renúncia, mas também, prenúncio. É um meio caminho, andado.
É tempo que já não é, como a noite que na madrugada se esvai. E tempo que ainda não é, como o dia que principia, quando a noite se vai.
Faz dias que acorda sempre no mesmo horário, sempre do mesmo sonho, sempre com o mesmo silêncio. Às quatro e meia da manhã.  Desperta na madrugada escura com a boca seca. O olho molhado. O lençol amassado, o corpo suado. Exausta da noite no dia que não raiou. Acorda com o canto silencioso do pássaro do outono. O pássaro que só ela ouve. Um outro pássaro, com outro nome, com outro jeito, com outras asas. Que canta um canto de outono.
Um pássaro que canta um amor que ainda não é. Um amor que quase já foi. Que só ela vê. Um amor de outono, fruta madura. Um amor amarelo. De meia estação.
                                                                   
                                                                                                       
Dani Altmayer

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