terça-feira, 26 de março de 2013

Anestesia


Era uma rua comprida, deserta. Uma rua sem saída, um beco.
Um paredão. Dali, para lugar nenhum. Só se desse meia volta. Todo aquele caminho, de novo.
Aquele caminho escuro. Úmido. A sujeira. Os cachorros.  Tudo de novo. Não!
Estava cansado. Tinha andado muito. Corrido um pouco. Estava ferido. Com medo.
Haveria de servir. Aquela parede. Aqueles tijolos quebrados. O muro pichado. As latas de lixo. O chão molhado. Um colchão rasgado, que sorte. Usado. Abandonado. Como ele.
Estava esgotado. Despedaçado. Um mendigo. Era isso. Um mendigo. Sem nome. Sem endereço. Sem fome. Faminto, e não sentia fome. Sem sono. Não dormia há dias, e não sentia sono. Não sentia nada. Deitou-se, encolhido, no colchão furado. Uma mola perfurou sua camiseta, rasgando o tecido e a pele. Nem percebeu. Ele era só dor, e não sentia dor nenhuma. Estava sedado. Anestesiado da dor, pela própria dor. Entorpecido, como quando você sente tanta, mas tanta fome, que, de repente, para de sentir fome. Para de sentir tudo. Ele havia sentido tanto. Agora não sentia nada. Tinha tido fome e dor em doses suficientes para ficar dormente. Insensível. Acusaram-no de não se importar. Tinham razão. Ele não se importava, não mais.
Uma parede para lugar nenhum. Tinha viajado tanto para chegar ali. Naquele canto escuro, naquela rua sem saída. Tinha andado tanto. Em vão. Estava acabado, ele sabia. Ali era o fim do caminho. Não podia voltar. Era o nada, depois de tudo. Um muro, sem lamentações. Uma ruela de chegada a lugar algum. O beco da sua vida. O desígnio de sua existência, sofrida e nua. O descanso, sem amargura. O seu quarto de hospital, uma rua.
Haveria de servir. Fazia frio, não fazia mal. Se deixou ficar. Tão sem forças estava, que adormeceu.  Dormiu sem sentir a dor, sem sentir a fome, sem sentir o sono. Sem sentir o frio, que congelava seus ossos. Não sentiu nada. Dormiu e não enxergou. Não viu que, no fim da rua, havia uma parede enorme, um muro gigante. E uma escada bem alta, ainda que um pouco escondida.
Sua sorte foi sua morte. Cumpriu seu destino.
Morreu de não procurar. Dormindo. Morreu no beco da sua exaustão. De frio e de fome.
Morreu da dor que já não sentia.
Um homem sem saída. Morreu, vejam só, da anestesia.

Dani Altmayer

2 comentários:

  1. Poderia ser eu!,,,,,,, só que I believe subir até a janela do primeiro ou de um segundo andar para me salvar.

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