quinta-feira, 9 de setembro de 2021

A sorte da Darlene



 

Só vim por insistência da Darlene. Ela ganhou a estadia num sorteio da firma. Parcelei as passagens em 12 meses, e aqui estamos nós, neste resort all inclusive metido a besta, cinco piscinas, spa, o escambau, a coitada nem sabe nadar, não tem nem roupa para isso, e eu tenho que aguentar os gritinhos dela a cada novidade que se apresenta.

Ontem foi a lagosta, não sei que tanta graça achou naquilo. Me atacou a gastrite, passei a noite arrotando o molho branco. Pedi um sonrisal e suco de tomate no café da manhã, foi o que salvou. 

No primeiro dia a deslumbrada se deitou nas pétalas de rosa em cima da cama, sensualizando, achei aquilo de uma breguice sem tamanho. Morri de rir. A cama é enorme, cheia de travesseiros, acho que cabem uns quatro, mesmo que sejam gordos que nem a Darlene. 

Ainda queria que eu comesse ela na jacuzzi, ficou assanhada com uma taça de espumante, a tonta. Tomei o resto da garrafa, mais a cerveja do frigobar, que bebida não pega fácil em macho, ainda mais de graça. Virei para o lado e dormi sem encostar nela. Tenho pavor de mulher falando alto, bêbada, se querendo. Mulher tem que ser discreta, saber se comportar direito. Mesmo nas quatro paredes, não dou mole não. Já proibi de beber, se é fraca vai ficar no suco de caju, para não inventar moda.

Agora foi lá para a aula de hidroginástica, naquele maiô preto que não disfarça a barriga flácida nem a bunda de mãezinha, como eu digo. Fico até com vergonha, porque tem cada mulherão aqui, até umas atrizes que a Darlene conhece, eu não, que não sou homem de ver novela, menos ainda daquela emissora lixo.

Está conversando animada com o instrutor, um cara de sunguinha vermelha, depilado e tão cheio de músculo que só pode tomar bomba. De tão perfeito deve ser veado, só pode, que homem de verdade tem que ter barriguinha, pelos nas costas, uma careca de respeito. Testosterona. Para não deixar dúvida. Tem que suar, sovaco cabeludo, tem que ter fungo na unha dos pés. A Darlene me deu um creme para as frieiras, vê se eu vou usar creminho, tem cabimento. Aliás, preciso pedir para a Darlene cortar essas unhas, já estão furando a meia.

Tomei um torrão na praia hoje. O médico da enfermaria me receitou remédio para aliviar a dor, falou para tirar a corrente do pescoço, estava machucando. Presente da Darlene, acho quem nem ouro é. Fiquei com a marca do crucifixo. O doutor também mandou eu me hidratar, tomar água de coco, essa merda que tem aos montes aqui. E evitar álcool, agora imagina férias com a Darlene, sem beber, nem fodendo.

Arde tanto que não consigo deitar na rede para ouvir meu futebol sossegado. Também, esse time está tão ruim que não passam as partidas na televisão. Queria era estar no estádio com a parceria, churrascada depois, isso sim é domingo que se preze.

O bom é que assim arranjei desculpa para não ir mais à praia, quem é que gosta de areia em tudo que é buraco? Ainda inventaram um passeio de escuna para ver os corais. Todo dia é uma coisa diferente, tudo com nome inglês. Frescobol virou beach tennis, agora. Darlene está louca para aprender, que vá sozinha passar vexame. Ela acha tudo lindo.

A Darlene é muito dada, impressionante, conversa com deus e o mundo. Fez amizade com uma loira gostosa, toda siliconada nos peitos, nos lábios, a bunda tão empinada que só falta saltar, diz que a mulher é casada com um velho cheio da grana. Marcaram de jantar na boate esta noite.

Parece uma noiva para se arrumar, como se adiantasse. Sai do banheiro toda perfumada, enjoativa. Prendeu os crespos, meteu um vestido curto, de lantejoula, batom cor de boca, sombra preta.

- Tá achando que é carnaval, Darlene?

A loira se chama Nina, está embalada a vácuo num tubinho branco, costas de fora, um tesão. Tem gente que tem classe, e tem a Darlene.

O marido é um baixinho cem anos mais velho, acho que vai pegar no sono logo. Peço bife mal passado com batata frita, por garantia. Cerveja para mim, limonada para a Darlene.

Ela inventa que quer dançar, que a música está ótima, strangers in the night. Eu só  quero tomar meu uísque em paz, então ela se vai para a pista com a amiga. Fico de olho nas duas.

O contraste, credo. 

Nina oferece bebida, a outra aceita- não vai prestar, já sei.

Estão se roçando, dançando de um jeito bagaceiro, parecem duas cobras. Safadas.

É bom de ver, admito. 

Mais tarde eu me acerto com a Darlene, coloco nos eixos, deixa chegar no quarto. 

Preciso mijar. Toda hora isso. 

O banheiro é todo espelhado, tem cheiro de perfume francês, não de mijo, nem parece banheiro de homem. Tem até fio dental. Olho a minha cara barbuda no espelho, a testa lustrosa. Fecho o botão da polo listrada, assim não aparece a marca da cruz. Não deu para colocar a corrente de volta, azar. 

A música mudou, mas o espetáculo continua, está parecendo filme pornô, não que eu assista a este tipo de coisa, sou homem de família, não gosto de sacanagem.

Olha só quem chegou. O instrutor. 

Bronzeado, de camisa cor de rosa justa, realçando o peitoral, mangas dobradas à perfeição, os braços morenos, a calça jeans apertada nas coxas. 

Que homem bonito, eu diria. Se eu fosse destes tipos que acham homem bonito, o que não sou.

As duas se abraçam, se esfregam nele, o puxam para um canto. Rebolam, dão risada, e bebem. A Darlene esqueceu de mim, pelo jeito. Deixa estar.

O velhote cochila, peço mais um uísque. Passo um gelo na nuca, está ficando quente. Maldito sol. Sinto arrepios e meu corpo arde. 


O instrutor sorri, os dentes brancos se destacam na luz negra. Dança bem, o moço.

Deve ser veado. Tem que ser.


Texto pra oficina, o protagonista odioso. 

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