terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O primeiro verão sem ele





Ao vasculhar a memória em busca de uma boa lembrança dos meus mais de vinte verões porto-alegrenses, cheguei a uma conclusão.
Não tenho memórias de verão em Porto Alegre. Tenho memórias de calor.
Antes de vir morar na capital, naquele longínquo dezembro de 1994, eu não fazia ideia do que me esperava. Não sabia ainda o que era calor. Ao menos não um calor assim, "portoalegrês."
Porque do verão da minha terra, que fica bem mais ao sul, eu lembro de tudo, menos de fazer calor de verdade. Eu lembro do mar cor de chocolate e do vento nordestão; das conversas no alpendre de casa e do chimarrão compartilhado; do coaxar dos sapos e do jardim florido em buganvílias. Eu lembro das noites frias.
Noites em que era impossível sair sem ele. Ele, que debochava das minhas produções mais ousadas, implicava com as blusas de barriga de fora, ignorava os ombros nus e bronzeados. Acabava com meus vestidos soltinhos.
Fiel, onipresente, indefectível, eu só consegui me livrar dele quando me mudei para Porto Alegre. Naquele quente dezembro em que eu desbravava a cidade com olhos abismados, o suor se esgueirando pelo meu corpo, o sol forte derretendo minha saudade, o asfalto quente ia me moldando aos poucos ao novo endereço... Foi aí que eu comecei a esquecer.
Esqueci dele já naquelas primeiras noites no Bom Fim, aos primeiros goles de um chopp gelado na calçada, no beijo de um primeiro amor longe de casa. Esqueci dele no Lei Seca, no Opinião, na frente do Theatro São Pedro, onde me perdia na esbórnia de um país, de uma vida recém descobertos.
Esqueci ainda mais completamente dele nas tardes abafadas, nas caminhadas pelo parcão em busca de sombra e de uma vista do lago; na esperança de encontrar um refresco, em vão. De vento ali, só restava um moinho. O resto era ar, comprimido. E tempestade ao final do dia.
Esqueci dele no sonho então impossível de uma casa com piscina, de um clube com piscina, de um amigo com piscina. No brinque da Redenção. Esqueci dele no meio de plantões intermináveis, de ônibus lotados, de lançamentos de filmes. No ar sempre estragado do Guion. Esqueci dele no refúgio gelado dos shoppings vazios, nos amigos novos e antigos, na conquista de uma liberdade recente, inebriante.
Esqueci dele por um tempo, e quase completamente, confesso. Até o dia em que estava indo para Rio Grande numa visita de fim de semana, era meados de janeiro. Minha mãe me ligou:
- Não esquece de botar o casaquinho na mala, pode ser que esfrie.
Levei, usei todos os dias, mas nem esfriou.
Só não fez nunca, esse tanto de calor.

Dani Altmayer
( exercício para a oficina Santa Sede de Verão- crônica de memória)

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