terça-feira, 17 de janeiro de 2017

A magia do verão



                                                                "Vem chegando o verão
                                                                  O calor no coração
                                                                  Essa magia colorida
                                                                  Coisas da vida..."
                                                                                   
                                                                                Renato Rocketh

Sexta-feira, segunda semana de janeiro, supermercado vazio. A voz da Marina chega suave ao corredor das verduras. Estou escolhendo uma manga para a salada, aperto, cheiro e deixo minha mente vagar, voltar no tempo uns trinta anos, para um verão onde não lembro de haver mangas nas saladas, apenas uvas, abacaxis e melancias gigantes que ocupavam a geladeira da garagem, na casa de praia, mais um freezer enorme, repleto de sorvetes e morangos congelados. Volto a um daqueles verões intermináveis, de pés descalços, biquinis asa-delta e bundas de fora, e sim, uma ou outra menina mais ousada fazendo top-less na areia. Um verão de peles expostas, marquinhas escondidas, ardores secretos. Um verão cujas noites eram promessas. Os dias, imensos.
A Marina canta "essa noite eu quero te ter" e não consigo disfarçar um sorriso. Canto junto, baixinho, a música que embalava os nossos, os meus sonhos adolescentes, e de repente me dá uma saudade de nome bonito, me bate uma nostalgia daquela menina desajeitada que tinha pela frente a magia colorida dos verões sem pressa, das pedaladas e sestas na rede, dos livros empilhados à espera - momentaneamente esquecidos em troca de mais urgentes amores. Saudade de um tempo em que as únicas preocupações eram esperar o carrinho do picolé, as amigas para sair em bando,  sem rumo. Imaginar se o menino que a gente gostava ia estar na avenida, e se ele ia nos ver, e se nos visse, se ia nos querer. A música fala das estrelas, do mar, e eu lembro dos passeios noturnos pela praia, das noites sem lua, a gente deitado na areia olhando a imensidão infinita daquele céu, o mais bonito que já vi: pedidos para uma ou outra estrela cadente. Não é à toa que nas minhas lembranças, a saudade é sempre verão.
A música termina, acabo de escolher as mangas, o mamão, as bananas. Ameixas. Como eram doces, suculentas, diferentes, as ameixas daqueles verões. Como eram diferentes, os verões. Num impulso, compro também um pote de sorvete. Um não, dois. Saio para a rua, e o calor da cidade me abraça com força. Perco o ar por um instante, suspiro. Está todo mundo na praia, as avenidas de Porto Alegre estão desertas, como estavam os corredores do supermercado, como estava meu carrinho, antes de se encher de frutas, cheiros, lembranças.
Coisas, da vida.

Dani Altmayer

( crônica para a oficina- Santa Sede, verão)

Um comentário:

  1. Um balanço de rede e finjo que estou voando. Deitado. Pouso no teu colo, repouso nos teus textos. Um livro aberto sobre o peito e abraço todo o bem querer que tenho em ti, tomado por um sentimento inexplicavelmente puro. Meus olhos espelham os teus no reflexo dos meus óculos e te vejo muitas vezes. Penso ter adivinhado o teu doce segredo. Quimera que também em mim desperta desde um tempo. Quisera não pensar-te tanto, mas a tua presença em mim só aumenta. Ouço "Ne Me Quitte Pas". Por um único e breve momento, divido-te com a Nina Simone. Volto ao livro: "A Barcarola", do Neruda. Separo dois poemas lindos e os dedico secretamente a ti, minha escritora. Bebo mais uma dose da lembrança dos teus versos, fecho os olhos e durmo. Na esperança de encontrar-te em algum outro sonho. Ou, talvez, de dividirmos os nossos segredos.
    Teu poeta

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