segunda-feira, 6 de junho de 2016

A vida como ela é, na minha vida


Mais uma de consultório, uma história triste que me deixou feliz ( de estar onde estou, fazendo o que eu faço)

Ela beijou minhas mãos.
Ninguém nunca beijou minhas mãos, antes.
Ela chegou chorando. Vinha em busca de receita, usa medicação controlada, está em tratamento para alcoolismo. Converso com ela por uns vinte minutos, ouço ela contar sua história. Pai e mãe bebiam. O primeiro marido, pai de seus cinco filhos, também bebia. Batia nela. O segundo, com quem ficou dois anos, terminou por causa da bebida. Está no terceiro casamento e começou a beber há dois anos, junto com ele. Trabalha como gari na prefeitura, tem casa própria e emprego estável. O marido atual não bate nela, mas a agride verbalmente, a ela e ao filho caçula de onze anos que mora junto. Ela se pergunta por que, se tinha pavor de álcool, só se relaciona com homens que bebem. Questiona o porquê de ter começado a beber ela própria, e me conta que seu café da manhã era cerveja ou cachaça, e que muitas vezes passava as noites em claro bebendo.
Faz pouco mais de um mês que ela não bebe, está lutando sozinha contra a doença, o marido não quer parar. Hoje bateu uma tristeza muito grande, e os remédios haviam acabado, ficou nervosa. Pensou em desistir. Não conseguira agendar com o psiquiatra. No final da consulta, ela beija minhas mãos, e me agradece, num sorriso entre lágrimas:
- Obrigada por me ouvir, a senhora salvou a minha vida. Me deu atenção. Que não seja eu beijando suas mãos, mas Deus, e que Ele lhe proteja e conceda muitas bençãos sempre.
Levantei, e me despedi dela com um abraço bem apertado. Ela prometeu voltar bem.
Não sei se eu salvei a sua vida, porque essa luta é dura e longa, e eu fiz quase nada. Mas talvez eu tenha ajudado em uma batalha, e só isso já fez esse dia gelado ficar menos frio.
Às vezes, tudo o que a gente precisa mesmo é de alguém que nos escute e nos enxergue. (De verdade).
Ninguém nunca beijou minhas mãos, antes.

Dani Altmayer

Um comentário: