sexta-feira, 29 de abril de 2016

Ainda não

 
 
                     
                           25 de março

No convite estava escrito traje passeio completo. Para mim, traje de passeio é calça jeans e camiseta. Não sei porque aceitei ir a essa festa, a Verinha sabe que eu tenho pavor dessas coisas metidas a besta. Pareço uma pata caminhando com esse salto, o vestido que aluguei está apertado, engordei bastante, acho que foram os remédios, só pode ser. Meu cabelo está ralo, e a pele horrorosa, quilos de maquiagem só fizeram pesar minhas rugas, pareço uma bruxa loira de batom vermelho. Fazia tempo que não me olhava no espelho com tanta atenção. Devia ter recusado mesmo, ainda não estou pronta. A culpa foi sua, que me convenceu, mas vamos combinar, tem coisa mais triste do que uma festa de casamento, aquela gente toda fantasiada em sorrisos, a mesa de doces, o buquê da noiva, a dancinha ensaiada. Tudo caro, e chato, acho brega. E para quê, pode me dizer? Você sabe que eu não acredito em nada disso mais, eu sei que tudo não passa de um show de atores, um show vazio, antessala de uma vida de mentiras e traições. Eu nem gosto do noivo, ele era muito amigo do Edu, mas a Verinha me garantiu que o Edu não vai. Se ele fosse, eu não iria, você sabe, não estou pronta. Parece que está viajando, o idiota. Na Bahia, com ela.Vi umas fotos no face dele. Sim, de vez em quando eu olho, ok, você me pediu para não fazer isso, blablabla, mas parece que não conhece mulher. Nunca mais mandei mensagem, isso não. Faz meses. Enfim, o vestido é preto, não consegui botar um colorido. Fui no salão fazer escova e maquiagem, e pintei a unha de vermelho. Por você. Vou com a mãe, ela não perderia uma ocasião dessas por nada, acho que também é desculpa para não me perder de vista. O pai já está roncando no sofá, e não são sete horas. Não vou beber, nem se preocupe. Mas estou levando as gotinhas na bolsa. Já tomei algumas. Tenho usado menos, agora. Só na rua, só em caso de emergência. Esse é um caso de emergência, total. Eu fico com pena da Vera, sabe, queria tanto casar, gastou um carro zero nessa festa. E ela foi uma das poucas que ficou, apesar de tudo. Vou fazer o possível para parecer feliz por ela, mas a vontade que tenho é de dar os pêsames em vez de parabéns. Ela não sabe o que a espera. Talvez saiba e não se importe. Tudo o que importa é o que aparece. Falei isso para a mãe, que só me olhou atravessado. A mãe está linda. Nem pareço filha dela, tão elegante sempre, tão poderosa. Queria era ficar em casa com o pai, vendo TV de pijama. Mas eu vou, pela Verinha, por você, e prometo me comportar. Amanhã escrevo mais, contando como foi. Ando um pouco cansada de ficar escrevendo, eu sei que faz parte e tudo, mas quase nada acontece, nunca. Às vezes tenho vontade de inventar umas coisas para você me achar mais interessante. Porque, fala sério, eu sou um tédio mesmo. Ah, já ia esquecendo. Antes que você pergunte, o vestido é longo, tem rendas nas mangas e esconde os braços. Vestido de bruxa, não dá para ver as marcas. A mãe que escolheu. Não que seja um segredo para ninguém, né? Mas é melhor assim, a gente acha. Ainda não estou pronta. Nem um pouco. Mas eu vou.
Nem saí de casa ainda, e esse salto alto já está me matando. Fui.

           26 de março

Ele foi.
Ela também.
Eu bebi.
Minha mãe quer me matar.
Os doces estavam ótimos, afinal.
Não consigo escrever.
Desculpa.

Dani Altmayer

Exercício para a oficina de escrita, personagem em 3D ( e porque ela aceita, ou recusa, o convite para uma festa).

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