quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Mesa para dois





" Você fica com a sua certeza, então. Eu fico com Paris. "
A frase martelava em sua cabeça há dias. Não era um mau consolo, Paris. De jeito nenhum.
"Você fica com a sua certeza. "
Ela estava atrasada. Fazia muito tempo que não jantavam fora, só os dois. Um ano, desde o último aniversário de casamento. Ele havia comprado flores, rosas vermelhas colombianas. Pedira ao garçom para colocar em um vaso, e para acender as velas. Era um destes restaurantes escuros da moda, que ela escolhera. Ele colocou os óculos para conferir o celular, enquanto bebericava seu uísque sem gelo. Nenhuma mensagem, melhor assim.
Já passava das nove quando ela chegou. Vestida com elegância, tinha o rosto corado, e a fala meio arrastada. Andara bebendo, de novo.
- Espero que não tenha vindo de carro.
- Vim de táxi, como você pediu. Lindas as rosas, obrigada- ela agradeceu, sem sorrir.
Pediram um espumante e uma água com gás. Ela esquecera os óculos, como sempre, não gostava de usar. Ele leu o cardápio inteiro para ela.
- Você precisa mandar fazer um óculos novo, amor. Há quanto tempo este está assim remendado?
Ele não respondeu, fazia meses. Fez o pedido ao garçom, salmão grelhado para ele, filé para ela, uma salada de entrada.
Brindaram aos quinze anos de casamento. 
- Que venham mais quinze!- ele desejou.
Ela concordou, revirando os olhos. Ele fingiu não notar, e conferiu o telefone. Nada.
- Que horas são?
- Vinte para as dez. Até que horas a babá pode ficar?
- Até as onze.
- Você se atrasou.
- Fiquei de papo com a vizinha nova, tomamos uma taça de vinho. Uma velha muito interessante, já andou pelo mundo todo. Viúva de diplomata.
- Hum.
- Falando nisso, como estará a Stella? No dia da mudança ela me contou que ia estudar na França,  mas não parecia muito animada. Ela era meio estranha, né?
Ele não respondeu. Baixou os olhos para o celular que piscava. E mail do trabalho.
- Vou lá fora fumar um cigarro.
- Achei que você tinha parado.
- Tinha.
A noite estava fria, e ele saíra sem o casaco. Um casal  discutia, mais adiante. Ela começou a chorar de repente, e o homem a abraçou com firmeza. Beijaram-se.
Ele desviou o olhar, apagou o cigarro, e entrou. 
- Chegou a salada.
Comeram em silêncio, ela pediu outra garrafa. Ele tomou a água. O celular estava piscando, de novo. Mensagem da sua mãe," parabéns e vida longa ao casal."
O flié estava cru, voltou para a cozinha. O salmão tinha gosto de borracha.
- Não sei o que você viu neste restaurante.
- Saiu no caderno de gastronomia.
Dispensaram a sobremesa. Ela esvaziou sua taça. Ele pediu um café e a conta.
- O senhor poderia chamar um táxi, por favor?
Ele tenta segurar a mão dela, que o afasta, irritada. Bebeu demais.
No táxi, a caminho de casa, ela adormece em seu ombro. Seu cabelo cheira bem, e um perfume adocicado invade sua lembrança. Ele sente-se um pouco tonto.
Confere o celular, que vibra. Uma mensagem do cunhado, emails de propaganda. Suspira. Melhor assim, com certeza.
- Chegamos.
Ela esfrega os olhos, e soluça:
- Amor! Esquecemos as rosas no restaurante.

Dani Altmayer

Exercício  para a oficina de escrita criativa-
"Triângulo amoroso"

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