sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O Mar


Sonhei que estava no meio do mar, e o mar era verde, como teus olhos. Transparente, dava para enxergar o fundo, mas eu não tinha pé. Estava muito longe da praia, que mal avistava, à distância. Estava sozinha, à deriva. Eu sabia nadar, mas já muito cansada, só me importava em boiar. As ondas, esparsas, e previsíveis, embalavam meu corpo como num berço antigo, de vime e balanço, e eu me deixava levar. Para lá e para cá, ao sabor da corrente. Gentilmente.
Eu olhava para cima, sem teto, um azul sem limites. Duas ou três nuvens brancas, como que desenhadas, perfeitas, quebravam a monotonia do céu de verão. O sol pincelava faíscas no verde das águas, fazia brilhar os peixinhos prateados. E uma ou outra estrela, do mar. Em sonhos existem estrelas, no mar.
Eu sabia que estava vulnerável e perdida, mas, estranhamente, não sentia medo. Não sentia frio, nem fome. Nem vontade de me salvar. Não sentia nada, além do prazer quase sensual, do toque suave e quente da luz no meu corpo, que flutuava como um bote salva vidas sobre as águas verdes. Transparentes, e fundas, como teus olhos. Docemente amortecida, e entregue ao sabor do momento, eu morreria naquele instante, feliz.
Quando acordei, lembrei de um pesadelo recorrente que eu tinha quando criança. Era inverno, eu estava nas dunas, sozinha. Elas eram enormes naquele tempo, e eu era perseguida por um monstro, que era, na verdade, o Lobo Mau. "Quem tem medo do Lobo Mau?" Eu tinha. Muito medo.
Então eu fugia,  subia e descia, corria para o mar, tropeçando na areia, ele quase me alcançava, e depois desistia. O Lobo Mau não sabia nadar, eu sabia, mas o mar era escuro, e assustador, e frio, cheio de ondas traiçoeiras, e eu sempre despertava aos gritos. Pouco antes de me afogar.

Dani Altmayer

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