sábado, 2 de outubro de 2021

Espelhinho é a mãe





A liberdade de não pertencer
Ou... como tem babaca nesse mundo:

Sábado pela manhã, pós feirinha, pré plantão, dia de primavera, céu azul, temperatura amena e uma bicicleta de cestinho, uma mulher pedalando não quer briga com ninguém. 
- Próxima aquisição tem que ser um espelhinho, né moça?
Barba grisalha, voz arrastada de portoalegrense, alá magro do bonfa, roupa coloridíssima de ciclista e um sorriso cínico desmascarado.
Peço desculpa por reflexo, sem pensar. Educação. Não tive culpa do que não aconteceu. Não aconteceu nada, apesar do homem achar por bem me ultrapassar numa curva da ciclovia, ali em frente ao Palácio da Polícia, bem onde um poste afunila o trajeto em via única, sem sequer buzinar. Passa tirando fininho, e me culpa. Ok.
Ele segue, veloz na sua bermuda acolchoada, voando talvez de encontro ao bando. E eu sigo no meu ritmo passeio, subitamente irritada pela advertência e ironia sem propósito, com vontade de engolir de volta o pedido de desculpas que escapou pela máscara, porque sim. Porque assim fomos acostumadas, a pedir desculpas sem ter culpa.
Respiro fundo, om, shanti, krishna, ave maria e outros mantras para não estragar a manhã bonita, chego na beira do rio. Vento contra, pouca gente, já passou. Deixa ir, a vida é boa sobre as duas rodas, sob o sol.
- Oi, te achei de novo. Não me leva a mal pelo comentário, tá? Mas que um espelho é uma boa, isso é. 
Seguro com força meu dedo do meio para não levantar do guidão, sem querer.
- Tanto quanto uma buzina e um pouco de noção, né moço?
Ele dá de ombros, e pedala forte, para longe. Já está no bando. 
Um bando de homens de roupas coloridas, bermudas acolchoadas e rodas grossas. Muito grossas e cheias de razão.

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