quinta-feira, 28 de outubro de 2021

O marido da Darlene




O fato ocorreu há um bom par de anos. Mais de dez. 

A festa já ia pela hora aquela, em que as moças trocam o salto pelo chinelo e o sapato do noivo se enche de dinheiros, para ajudar na lua de mel na serra. Em casamento de rico, antigamente, era tudo em dólar. Agora é tudo em cota, mas rico não viaja para a serra em lua de mel. É cota de resort em Cancún, é cota de cruzeiro na Grécia. Rico médio, né? Porque rico rico nem conhece a palavra cota.

Mas esse casamento era de pobre, pobre médio, que viaja para a serra para passar frio e chuva.

Eu falei para a Darlene que a ideia era horrível, ela disse, ah mas a lareira ah mas o vinho, a Darlene é dessas. Romântica.

E pelo jeito, a irmã também. A Damiany. Uma cópia melhorada da Darlene. A caçula das cinco filhas. Magrinha e peituda, como eu gosto. Era o casamento dela. Com o Ferdinando do Xis. O Ferdinando que, diziam, vendia droga lá no trailer. Eu e a Darlene éramos padrinhos. 

A Damiany gosta de filme americano. Todas as madrinhas estavam vestidas iguais, de rosa fraco. Rosa não favorece a Darlene, coitada. Ela lembrava um pirulito de morango, daqueles que se desgastam na primeira lambida. Os padrinhos estavam de fraque, igual ao noivo. Elegantes, confesso: eu ainda não tinha essa barriguinha de futebol. O vestido da Damiany era daqueles que parecem rabo de sereia, os seios empinados fugindo do decote, ela andava miudinho, tão bonitinha a Damiany de noiva, segurando o buquê de rosas amarelas, as unhas pontudas, aquela unha fazia um estrago que nem te conto. Casaram na igreja das Dores, a festa foi no salão paroquial. Ferdinando tinha cara de bandido, acho que era o bigodinho loiro, diziam que tinha engravidado a Damiany e mais uma outra, as duas ao mesmo tempo. Não juntas, no mesmo dia. Ao menos, acho que não. Escolheu a Damiany, bem fez ele. Bonita, gostosa, e mais situada que a irmã, se é que você me entende. Rebola que é uma delícia. Estou falando da dança, do samba, que sou um homem de família, o senhor me respeite. Como eu ia dizendo, a festa estava alta, os convidados também. Já tinha tocado Macarena e tudo. Todos se divertindo, quando a Damiany foi para o microfone.

Já falei que ela gosta de filme americano? Principalmente daqueles bem bestas, de amor, que terminam em casamento. 

Estava muito lindinha a moçoila, nem parecia que tinha embarrigado, a cintura fina, os seios, ah... já falei deles? O que posso fazer, eram hipnotizadores. São, ainda. Enormes e pontudos. Ganhei beliscão da Darlene, mais de uma vez, nos almoços de domingo.

Bom, a Damiany anunciou que cada padrinho poderia fazer um brinde aos noivos, se quisesse.

A música parou, alguns reclamaram. As crianças dormiam no colo das avós, as maquiagens borradas, aquele cheiro de flor morta e cerveja derramada, e a prima Carla sai do banheiro com o marido da tia Ana, pouco antes de acenderem as luzes. Eu vi, ninguém contou. Nunca me enganaram, aqueles dois. 

Cadê minha mulher? Perdi a Darlene de vista há horas. A Darlene, coitada. Coitada da Darlene. Deve estar bêbada, em algum canto, com alguma amiga de infância.

Dou um gole no uísque, para molhar a garganta. Peço a palavra.

" Do noivo, pouco conheço, portanto pouco tenho a falar. A não ser que não poderia ter feito escolha melhor. Literalmente, pelo que dizem, haha. A Damiany é a mulher dos sonhos de todo homem. Discreta e gostosa ao mesmo tempo, magrinha e peituda, o que é Darlene, tô dizendo alguma mentira, de onde tu surgiu mulher, deixa eu elogiar tua irmã, minha cunhada, família é tudo, não é, tia Ana, priminha, tudo em casa, e depois, ninguém rebola como a Damiany, haha. Não que o Ferdinando não tenha percebido, o cara não é bobo nem nada, fala aí mermão, tô mentindo, tu comeu a merenda antes da hora, tô sabendo, não me olha com essa cara, deixa eu fazer a homenagem, o que é Darlene, inferno...."

Minha fala foi interrompida por um estrondo, depois outro. Tiros. 

Levo a mão ao peito, deixo cair o microfone.

O marido da tia Ana está estendido no chão, com o braço sangrando. Correria e gritos, a festa termina com metade do povo no hospital, metade na delegacia. Ninguém morreu, mas da prima Carla ninguém mais soube. Tia Ana e o marido completaram bodas de pérola ano passado. Foi uma festa bonita, renovaram votos e tudo.

Quanto ao casório da Damiany, que a gente chama de faroeste nupcial, sabe como é, piada interna, bobagem, só não pude terminar meu discurso. A Darlene fala que fui salvo pelos tiros. Tem cabimento?

O Ferdinando é que não gosta de mim até hoje, mas juro que é  implicância. Afinal, o Junior nasceu loirinho de olho bem azul. 



Texto para a oficina de escrita, o personagem falastrão. 


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