terça-feira, 23 de outubro de 2018
Dolores
de um tempo onde
ainda
se escolhiam feijões
ela assava aqueles bolos fofos
que hoje chamam
mármore
enrolava brigadeiros
na manteiga
inventava aniversários
de cachorro e de boneca
de um tempo em que as tardes
ainda
eram lentas
a cozinha cheirava a histórias
da infância na roça
dos namoros de menina
as fofocas da família
dos vizinhos dos artistas
conversa jogada fora
de um tempo onde
ainda
se batiam os bifes
a risada dela ecoava
com a fumaça do cigarro
o aroma da pipoca na panela
o café na caneca lascada
um afago distraído numa torta
de um tempo em que
a mesa
estava sempre posta
ela ligava o rádio
o Benito o Erasmo
o Roberto o Emílio
a música sabíamos de cor
naquele tempo
em que as canções de amor
ainda não eram bregas
antes do sol se por
o fogão brilhava
não entra agora menina
não me molha essa pia
o chão está molhado
espera o chão secar
de um tempo em que
ainda se cultivavam afetos
e vasos de samambaia
a mão dela na minha
áspera firme gentil
cheirando a cebola e a cloro
ainda segura com força
a fome da minha infância
Daniela Altmayer
(exercício para a oficina de poesia. Era para ser sem desvio lírico, mas...)
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