sexta-feira, 26 de outubro de 2018

As coisas do Tobias



Eu conheci o Tobias na oficina de escrita. Ele tinha dezenove anos e uns olhos bonitos, de um castanho cheio de doçura, sentava na minha frente na sala da velha livraria, e sempre que ele lia um conto me causava enorme espanto, pensava como pode, alguém tão jovem escrever desse jeito? Tão forte, tão maduro, com tamanha sensibilidade? Era como se ele entendesse o mundo de uma forma que pouca gente velha consegue, como se fosse uma alma antiga e gorda (e sábia) habitando o corpo de um guri magrinho, com aquela fragilidade aparente, muito enganosa. Eu me apaixonei primeiro pelas histórias que ele contava, que ele lia com aquele jeito tímido e seguro, pelo sorriso fácil, depois eu o amei para sempre, entre cafés, cervejas, filmes, livros e corações partidos e compartilhados.
Ganhei As coisas antes de As coisas ganhar o prêmio SESC de literatura. Comecei a ler antes de saber do resultado, por isso posso me exibir dizendo aquela frase clássica, porém verdadeira: eu já sabia. E disse isso pro Tobias. É um livro forte, emocionante, que te envolve desde a primeira linha.
Quando ele me ligou para contar o resultado, era um dia ruim para mim, mas eu senti uma felicidade tão grande que ela apagou todas as coisas ruins que estavam na minha cabeça, só conseguia pensar no quanto ele mereceu, merece, porque eu conheço bastante gente que escreve, e que escreve muito bem, mas o Tobias, ele tem uma coisa diferente. Acho que ele nasceu escritor, sabe?
As coisas é seu livro de estreia, é um belo livro, o livro que faltava, nas palavras dele, histórias sobre essas relações que existem, um livro necessário.
É sobre o universo homossexual sim, mas é muito além disso, é humano ao extremo, profundo, tocante. Eu arriscaria dizer que é um livro sobre busca, sobre a busca da aceitação e amor, busca essa que é minha, dele, sua, que é universal.
São 25 contos, e juro, um melhor que o o outro.
Cantiga de roda, bah, que conto forte, surpreendente, O pai, dolorido e verdadeiro, Jung, que tem o melhor final que já vi, 99 do qual vou citar aqui um trecho que amei : "as palavras me feriram e me aqueceram, me deixaram com vontade de cobrir ele de socos ou cafunés, ou apenas enfiar minha cabeça mais fundo nos travesseiros.(...) E enquanto pegava o celular para chamar o 99, pensei que não era a primeira vez que terminava as coisas antes de elas começarem."
Difícil escolher um conto preferido, e este é o mérito do livro, do autor, tu vai lendo, e vai se envolvendo com as histórias, sentindo as dores, os gozos, os desenganos, se encontrando e desencontrando a cada tanto, e quando termina tu já quer ler de novo, e sublinhar as partes preferidas, as frases geniais e simples ao mesmo tempo, como a que descreve um cara muito bonito como "o rosto de quem vivia dentro de um Instagram sem fotos ruins."
Termino com o trecho de um dos contos mais tristes e lindos do livro, Água:
"Amar sobrecarrega, nem bom nem ruim, um tudo que compreende o mundo inteiro, corroendo, viciando, impossível que não. Não existe nada que traga tanta destruição, ou que pelo menos, dissolva tanto os outros sentimentos. O ruim e o bom do amor é que ele inunda."
O bom do livro do Tobias é que ele transborda.

É só o começo, mas uma baita estreia.

Daniela Altmayer



Nenhum comentário:

Postar um comentário