domingo, 27 de maio de 2018

Necessidades, vontade


O domingo se despede do silêncio, antecipando as incertezas da segunda. Perco tempo nas redes sociais, perco a paciência, não escrevo, não arrumo as gavetas, sempre elas me acusando sem palavras, ecoam na minha cabeça os conselhos do documentário que ainda não vi mas adivinho: menos é mais, eu sei mas finjo que esqueço enquanto procuro na internet botas novas. Ainda bem que o frio deu uma trégua, tenho frutas para três dias, não como carne mesmo, mas tem um pouco de frango no freezer para quem sim, não entendo de gente, não entendo essa greve, entendo que está tudo errado faz tempo, acho engraçados os memes não a situação, disso não consigo rir. Penso logo existo, não consigo reproduzir sem duvidar, o que não me faz melhor do que ninguém, só mais cansada. Talvez mais chata. Não me importam as ruas vazias de carro, não me interessam os carros, mas os doentes, os trabalhadores, hoje foi a primeira vez em dez anos que meu prédio ficou sem porteiro, não fez falta, coitado, só quando a porta travou e fiquei presa por dentro, é sempre por dentro que a gente fica presa, me importam sim os alimentos, o oxigênio, meu emprego e o dos outros, os impostos sobre as minhas botas, sobre tudo, nos levam tudo e não nos dão nada. Nunca nos dão nada além deste medo. Me importa que o índice de mortalidade infantil esteja crescendo, depois de anos em declínio, que o numero de desempregados bata recordes, que mais pessoas estão cruzando a linha da pobreza em direção à miséria, tudo isso me importa e meu umbigo também, não vou negar, minhas botas já não importam, desisto delas, eu fui ao super na sexta e a prateleira de pães estava quase vazia, mas achei o pão orgânico que gosto, fiquei feliz de ter um gosto assim estranho, não sou boa pessoa sem pão, comprei vinho, manteiga, banana, cebola, alface não tinha, nem rúcula, prefiro rúcula, o titulo dessa crônica devia ser a burguesia falta de noção vai às compras, sei que tenho mais sorte, posso pensar em estocar comida e coisas, ainda que não o faça, nesta época do mês já acabou o salário da grande maioria dessa gente que não tem mais ônibus nem dinheiro, que já quase não compra botas, quiçá algum resto de dignidade. Não tenho opinião sobre a greve, nem nada, tenho dúvidas, cada vez mais, pensamentos aleatórios que se confundem com o grito de gol, é domingo, é dia de futebol, e ainda que tudo mude o tempo todo, às vezes parece que não, nada mudou.

Daniela Altmayer

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