domingo, 3 de junho de 2018

Vinte segundos




Vinte segundos é suficiente?
Ela veste uma camiseta branca estampada de abacaxis amarelos, uma saia jeans e sapatilhas vermelhas. O cabelo curto tem mechas azuis e ela é uma explosão de cores na minha frente na manhã nublada. No braço direito tem tatuado feito um bracelete as palavras: vinte segundos de coragem.
No punho esquerdo, o símbolo do infinito e um coração, e enquanto conto seus batimentos ela me conta que vai embora. Está de mudança para São Paulo, conheceu um cara, artista também. Pediu demissão da agência onde trabalhou durante cinco anos, vendeu a moto e conseguiu transferência da faculdade. A mãe é contra, acha muito arriscado. As mães têm esse paradoxo, são medrosas em nome do amor. Sei disso porque sou dessas, vez em quando, mais vezes do que gostaria. Mas não digo nada disso, apenas lhe desejo boa sorte e depois que ela se vai, fico pensando na tatuagem dos vinte segundos.
Não faço ideia de onde vem essa frase, então recorro ao meu cérebro de bolso e descubro no Google que é do filme Compramos um zoológico ( eu vi, mas esqueci), e que falta um adjetivo para essa coragem de vinte segundos: insana.
"Às vezes tudo o que você precisa são vinte segundos de uma coragem insana."
Eu entendo que ela tenha suprimido o insana porque sei lá, acho que nenhuma coragem é isso. Pelo contrário, o medo é que é insano. O medo é insensato, por definição. Um doido varrido que nos mantém cativos, prisioneiros na zona de conforto e escravos de nossas inseguras limitações.
Ter coragem é o oposto, e talvez não leve nem vinte segundos. (Ainda que muitas vezes demore uma vida inteira.)
Coragem não é não pensar, é usar a liberdade para pensar e pensar muito, é fazer escolhas, dentro e fora da caixa, e correr riscos, é fazer valer, e pagar cada centavo por isso.
Desejo que a menina de camiseta estampada encontre o que ela procura em São Paulo ou além, mesmo que depois ela perca, é da vida, este achar e perder infinitos, mas que ela não perca nunca a lucidez, a beleza e a coragem de se entregar. A cada vinte segundos, menos.
Ou mais.

Daniela Altmayer

Nenhum comentário:

Postar um comentário