quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Patrick




Um dia eu ia encontrar um amor assim, só que não ia ser dançando, porque como minha mãe costumava dizer, as aulas de jazz foram dinheiro jogado fora. A minha dança acontecia dentro, assim como a canção que eu cantarolava baixinho, desafinada, e que só eu ouvia. Era tudo lindo na minha imaginação, a vida real é que não tinha o menor ritmo. Aquela música, aquele homem, aquela cena final. Que filme, nossa. Até esqueci que estava com o Cláudio e a Ana, segurando vela. O pai da Ana não deixava ela sair sozinha com ele, fui junto na parceria, acabou que adorei o filme.
Saímos do cinema os três, o Cláudio reclamando como de praxe que era muita baboseira, eu e a Ana meio apaixonadas pelo Patrick. Com vontade de rodopiar. Resolvemos voltar a pé pela Redenção. Eles iam mais na frente, eu acendi um cigarro. A noite estava quase quente, e uma lua cheia no céu iluminava o parque como fosse dia, as árvores fazendo sombras enormes no chão. Perto do chafariz o tapete de flores ao redor dos bancos tinha um tom estranho de rosa noturno, e exalava um cheiro forte e adocicado, que se misturava ao cheiro dos baseados que muitos compartilhavam por ali.
- Vamos fumar um?
Cláudio era maconheiro de fim de semana. Mais velho que a gente, trabalhava no Banco do Brasil e tinha sempre dinheiro. Compramos o fumo, e enquanto ele enrolava o cigarro, eu e a Ana comentamos o filme. 
- Um dia eu vou conhecer alguém assim, desse jeito. Só vou amar se for assim.
A Ana reclama que eu sou muito romântica, por isso que estou sem ninguém. Já tive um namorado, uma vez. Faz tempo. Olho para ela e o Cláudio. Estão planejando casamento. Apartamento, móveis, lua de mel na Europa, férias na casa de praia que pensam comprar. Terão dois filhos, e vão parar de fumar. A Ana vai casar virgem, como o pai quer. De branco. Tudo tão certo que para mim parece quase errado. Para começar, eu não sou mais virgem, graças a Deus. Também não quero um noivo que trabalhe num banco de segunda a sexta das nove às cinco e depois me faça um sexo burocrático, quero um homem que entenda quando um filme faz a gente chorar de emoção. Que me faça chorar de emoção, que me toque, o corpo e o resto. Quero viajar no imprevisível, correr o mundo, ser surpreendida. Quero um homem que conheça meus livros, meus medos, os poemas que ainda nem escrevi. Um homem que escute essa música que toca por dentro, que sinta a dança que acontece por dentro, que enxergue a delicadeza que é essa coisa de amar.
Uma nuvem pequena encobre a lua, as sombras somem de súbito. Dou um trago no cigarro, estou com fome, está ficando tarde.
Eu quero o impossível, a Ana diz. "Vai acabar sozinha". Ela não entende. Não é que eu não acredite no amor, eu acho é que acredito demais. Não falo nada. De mãos dadas com o Cláudio, minha amiga está feliz e para ela isso faz todo o sentido. Dou de ombros e deito na grama para olhar o céu.
A lua se escapa da nuvem e volta a iluminar o parque, apagando as estrelas. É quando ouço alguém cantando "I`ve had the time of my life...", mais como um murmúrio do que exatamente uma música, mas consigo reconhecer. Na frente do chafariz um menino dança de olhos fechados. Ele está de alpargatas e jeans, veste uma camiseta do Led Zeppelin. Acho que eu o vi no cinema, mais cedo. Sento de pernas cruzadas e fico olhando para ele. Não parece chapado, parece apenas feliz, desligado. E muito bonito. Não pode ser... eu é que devo estar muito chapada. Ele abre os olhos e me vê. Dá uma piscadinha, sorri e faz um gesto me chamando, "vem dançar." Devolvo um sorriso sem graça, desvio o olhar e deixo a franja cair sobre meu rosto. Cláudio e Ana se levantam, animados.
- Vamos comer um baurú?
Eles não viram nada. E o menino não estava mais ali, quando passamos os três pelo chafariz.

Dani Altmayer 
(exercício para a oficina de escrita- anos 80, cinema, Redenção, drogas... eu, ou um alter ego meu)

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