quinta-feira, 1 de setembro de 2016

London




Uma amiga costuma dizer que o chuveiro é o melhor lugar para chorar. Mas, como em muitos hotéis baratos de Londres, neste também o banheiro não tem chuveiro. Apenas uma daquelas banheiras antigas, de louça já amarelada pelo uso, e um pouco suja. Laura passa um lenço umedecido pela superfície áspera, e enche a banheira de água. Precisa lavar a cabeça, depois de tantas horas de voo, só que isso não é uma tarefa fácil, espremer-se embaixo das torneiras que não se misturam, a água fria sai em gotas, enquanto a quente é quente demais. Faz espuma com o xampu, e deita-se estendendo o corpo dolorido da viagem. A água a acaricia, e sente um arrepio de prazer. Ou de medo. Como ele a descobriu aqui, porque o deixou entrar no quarto, seu cabelo estava horrível. Aquela chuva fina lá fora. Tanto tempo, e essa surpresa de merda, a cara de ressaca, o gosto ruim de comida de avião na boca, tem coisa pior do que escovar dente em avião? O beijo, o sexo às pressas, sujo, quanta urgência como fosse saudade e não era. Certo que não, era outra coisa menor. Uma cisma, tem gente que não sabe, não acaba nunca. O cheiro dele, ah, o mesmo perfume que ela espalhava no travesseiro antes de dormir, só para fingir que ele estava ali. Pagara uma fortuna na loja de importados. Toda vez que sente cheiro de cebola. A maioria das pessoas não gosta desse cheiro, ela gosta, lembra do sítio do avô, a cebola e a bosta de vaca. O avô tinha cheiro de cachimbo e erva doce misturado, a avó era bolo de chocolate com cebola de molho. Se inventassem perfume de cebola ela comprava. Mas ele, não acredito que ele usa o mesmo perfume ainda, eu disse que eu avisava quando pudesse encontrar, não queria que fosse assim. Será que não podia ter esperado ela aterrisar direito? Duas noites sem dormir, aquele bebê chorando o tempo inteiro, Laura querendo chorar, se ao menos a porcaria desse hotel tivesse um chuveiro, o cabelo vai ficar horrível, a água já está ficando gelada, cadê a coragem de sair. Ele esperando lá embaixo, para quê, meu Deus, depois de tantos anos, por que as pessoas voltam para minha vida desse jeito, ninguém pede licença para sair, para voltar. Ninguém quer ficar, também. Era para ser só dela esta viagem, um tipo de resgate, tem sido só ela há muito perdida, sozinha, o que ele pensa que está fazendo? Não quero essa migalha, que se foda. Vou mandar embora, quem disse para vir para cá, por que também fui parar justo neste lugar? Entre tantos, era para ser, existe isso? O mundo é grande e pequeno ao mesmo tempo nas nossas escolhas.Vou usar o casaco verde, fico bonita nele.  Ah, o cheiro, o perfume... aquelas mãos. Tudo como era, tudo como nunca foi. Em Londres, de novo. Ao menos se a chuva parasse...
Laura fecha os olhos e mergulha na banheira fria. Está tremendo. Mas não consegue chorar.

Dani Altmayer
( exercício para a oficina de escrita- fluxo de consciência)

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