domingo, 18 de setembro de 2016

Sem teus olhos


Aquele verão teve o gosto bom da liberdade. Do gozo, livre.
Das tardes quentes de vestido leve, os corpos soltos ardendo mais do que o sol de janeiro.
O prazer, escaldante.
Carnaval em fevereiro, areia e vento. Terça e quarta. 
Uma sexta para ficar na lembrança. Outras tantas.
Veio março, não choveu. Não foram as águas que levaram o verão. 
Foi o amor que inaugurou o outono, e com ele as folhas amareladas começaram a cair, uma a uma. Suave, insistente, inexoravelmente.
Vieram os frutos maduros, a polpa e o suco melados escorrendo entre lábios e mãos.
Que gosto tem o amor não correspondido, ela se pergunta. Por perguntar, ela sabe bem, tem um gosto indefinido, agridoce, sedutor.
Por vezes cruel.
Ela pergunta se há saudade, de antes quando se era mais livre e o calor fazia morada sem pudor e sem medo. 
Ele responde que não. Mas ela sim, ela sente saudade do desfrute fácil daquilo que não tinha nome ainda.
Junho, julho, tulipas.
Inverno, café, breves fugas em vão. 
Agosto acabou.
Aproxima-se a primavera, o tempo voou para junto dela.
Ela voou junto com ele.
"Não se pode voar sem conhecer o abismo".
Venta um pouco, o frio não foi de todo embora. 
E no meio das horas felizes, o tal do amor fazendo sua confusão.
Superestimam o amor, e desdenham.
Imperfeito como imperfeita ela é.
Frágil onde havia de ser força, vulnerável e perdida, que falta que faz um manual nessas horas. (Não há.)
Convidado indesejado para uma festa pagã, o amor estraga tudo às vezes.
(E para sempre, às vezes.)
Ainda que o para sempre não exista, o ano corre com a vida. E a vida, com os anos. 
Setembro. Em breve uma nova estação.
As sementes se espalham, se plantam, se regam.
Aleatórias, alheias, incertas.
Como o tal do amor.
Alguma flor vai nascer, alguma flor vai morrer.
Em algum distante jardim, e tudo vai ficar bem.
Ela não abre mão da primavera, não poderia. Não sabe amar como Neruda.

Dani Altmayer ( escrito num dia que não existiu)



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