sábado, 5 de março de 2016

(Não) nasci mulher


Por não conhecer, ou não saber interpretar o feminismo, eu me relacionei por muito tempo com um homem machista. Ele nunca me bateu, ou foi violento fisicamente, mas hoje eu sei o nome do que ele fazia: "gaslighting ". Para quem, como eu, até pouco tempo não sabia o significado dessa palavra, deixo a definição da Wikipedia: é uma forma de abuso psicológico no qual informações são distorcidas, seletivamente omitidas para favorecer o abusador ou simplesmente inventadas com a intenção de fazer a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade. "  Tem um monte de texto legal sobre o assunto, é só procurar.
O problema de quem está num relacionamento assim ( e que pode acontecer ao contrário também, embora as mulheres sejam as presas mais fáceis) é que a gente custa a perceber a manipulação, por uma série de motivos. Insegurança, baixa auto estima, crenças equivocadas, sub repticiamente afirmadas e mais uma série de coisas, às vezes individuais, outras tantas coletivas. Só que com o passar dos anos, aumentam os danos, como em todo círculo vicioso. Como todo vício, se torna difícil de reconhecer, e depois ainda, paradoxalmente, de largar.
Tenho perfeita consciência da minha ignorância anterior, apesar de ser obviamente uma mulher estudada, viajada, branca, classe média, e muito privilegiada nesse universo, nesse planeta ainda tão hostil às mulheres em geral e a muitas em particular. Eu também, como tantos, era uma mulher que não amava mulheres, que reforçava ideias absurdas compradas e adquiridas sabe-se lá de onde, apesar do tanto que já se andou. "Mulher é tudo louca, mulher é muito chata, deve ser TPM. "E olha que eu tenho uma TPM horrorosa, só eu sei. 
A diferença é que agora eu sei. E saber faz toda a diferença, em qualquer assunto. 
Eu nasci mulher, e me reconheci assim desde sempre. Mas a aceitação, o orgulho e o prazer vieram bem depois, com o nascimento da feminista em mim. Tem gente que acha muito chato esse e tantos outros assuntos que estão em pauta nas redes sociais, esse grande espelho e multiplicador de virtudes e defeitos, mas que deu visibilidade  e velocidade a questões humanitárias que vinham engatinhando há anos. Eu não. Eu acho chato é a (pouca) profundidade das discussões, o preto no branco. Ou você é a favor, ou contra. Se defende uma causa, deixa de lado a outra, que é muito mais importante. ( No ponto de vista de quem?) Se tudo subsiste e coexiste, nada é excludente, muito pelo contrário. 
O fato de eu defender o feminismo não me coloca contra os homens, mas contra atitudes, que podem partir de homens ou mulheres. Eu nunca fui estuprada, mas já recebi um soco, uma vez, porque não quis transar com um cara. Quem nunca ouviu um "agora você tem que ir até o fim, olha como me deixou..." Quem nunca pensou duas vezes antes de sair na rua sozinha ou dar no primeiro encontro?
O fato de eu ser feminista não faz de mim uma "odiadora"( hater), nem uma mulher barbada e mal depilada, que não sou, porque como falei, gosto e me identifico com o gênero com o qual nasci. Tve essa facilidade,  poderia não ter. 
Sobre a história dos shortinhos, conversando com um amigo do meu filho ( todos a favor da campanha), ele perguntou: "tu é dessas que acha que tudo é machismo? " Não, não sou, ao menos espero não ser. Hoje sou apenas muito mais atenta e vigilante para reconhecer o mal disfarçado que é sempre o pior, para não ser novamente nem vítima nem culpada de situações e relacionamentos abusivos, depreciativos, violentos ou pouco inclusivos.
Pelo meu próprio nascimento tardio eu celebro essas meninas tão jovens, mobilizadas por uma causa que até pode ser polêmica na sua forma, nunca na sua essência. Elas já conhecem o significado de sororidade ( muito prazer) e liberdade. Elas conseguirão evitar, como eu e tantas outras que conheço não conseguimos, os perigos de não (se) saber. Na ótima crônica da Zero Hora de hoje, "Não é só pelo shortinho", a autora do manifesto, Giulia, termina com o seguinte depoimento:
"- Descobrir o feminismo quando se é jovem faz com que você cresça com outra mentalidade, dizendo todos os dias que não precisa caber em padrões e que pode questionar comportamentos que fazem você se sentir agredida ou assediada. Quando cresce com o feminismo como parte do dia a dia, você se torna uma mulher muito mais forte e segura de quem é. "
É isso, e basta. 
Atire a primeira pedra quem nunca passou pelo constrangimento de ser mulher.

Dani Altmayer

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