quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Sempre Tarde Demais

"Ah, o amor
Que nasce não sei onde, vem não sei como e dói não sei porquê."
Luis de Camões




Tem gente que não precisa de óculos, mas não consegue enxergar um palmo à frente do nariz.
O Carlos Eduardo:
- Amar é um pouco como dirigir na neblina. Tem que ir devagar- filosofa.
Está bêbado.
-Sim, meu bem, mas não TÃO devagar, né?
Estamos os dois deitados no sofá, um para cada lado, nossos pés se tocando. Eu de meia, ele sem. Acabamos de abrir a segunda garrafa de vinho.
Cadu é meu melhor amigo. Nem por isso deixa de ser um idiota. Desde que chegou, não para de falar na Helena. Tem coisa mais chata que dor de cotovelo alheia?
- O que você acha que deu errado, Nina?
Ah, tudo, Carlos Eduardo, tudo deu errado. Eu poderia dizer, mas não digo. Sirvo mais um pouco de vinho.
- Bebe.
Ele começa a chorar. Alcanço a caixa de lenços. Ele é muito sensível, o Cadu.
A Helena deu um pé na bunda dele. Estavam juntos há uns 3 anos, e olha, até que durou.
-Tinha tudo para dar certo.
Tudo, menos o Carlos Eduardo.
Ele não trabalha,para começar. Estuda, está na terceira faculdade, tem uma bolsa de pesquisa. Mas com 35 anos, ainda mora com a mãe.
A Helena é uma mulher independente, separada, tem uma filha pequena .
Mas isso não seria nada. O pior é a mania que ele tinha, ou tem, de sumir, de vez em quando. Vai para a caverna, como diz. Não atende o telefone, não responde mensagem. Passa uma ou duas semanas sem sinal, e depois volta. Na maior cara de pau. Cansei de avisar. A Helena sofria.
Um dia, a Helena se encheu. Arrumou as coisas dele, colocou em três sacolas de supermercado, e deixou com o porteiro. Mudou a fechadura, sem avisar.
- Nina, com o porteiro, acredita? O Luis, um baita fofoqueiro.
- Hum…
- E assim, do nada, do nada?
Carlos Eduardo não para de falar, e eu já nem estou escutando. Preciso de mais vinho.
Olho para a taça, contra a luz do abajur, e deixo meus pensamentos divagarem, enquanto o Cadu choraminga.
Nunca é do nada. Mas tem gente que não percebe os sinais.
Uma flor que não é oferecida, uma lâmpada que não é trocada, uma gentileza perdida. Oportunidades que se vão, para sempre.
Uma falta de respeito, depois outra, e lá escorre a admiração pelo ralo, junto com a louça que não foi lavada.
Uma conversa adiada, e se acumulam os silêncios.
Os "eu te amo" esquecidos, negados, adiados.
Não retribuídos ou nunca ditos.
Vai tudo para um lixão. O limbo.
- Nina, eu mandei flores. Eu implorei. Eu até pedi em casamento.
- Mas foi DEPOIS. Depois é sempre tarde demais, Carlos Eduardo. Cadu.
-  Mas e ela, que me dizia a toda hora, "eu te amo, eu te amo"? A Helena mentia, Nina?
-  Ela cansou, foi isso. Amar sozinha cansa.
-  Que merda, Nina, não é justo! Eu amo a Helena, é a mulher da minha vida.
Ah, chega. Faço um discurso:
 - Cadu, amar não é como dirigir na neblina, nem exige cautela. Nada a ver. Ao contrário. Amar de verdade é se jogar de cabeça no abismo. Alguém disse, "tudo o que o amor requer da gente é coragem." E é mesmo. Tem que bancar, pagar para ver. Mais do que tudo, tem que saber MOSTRAR, entende?
- Entende… não?
Ele resmunga. Fica bonitinho, de olho vermelho.
Faço um carinho com meu pé, no dele.
Eu também estou bêbada, agora.
- Esquece.

Dani Altmayer

Exercício Oficina de Escrita-  Tema. " A descoberta do amor."

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