domingo, 14 de setembro de 2014

Medo do Espelho

"Vamos pedir piedade
Senhor piedade
Para esta gente careta e covarde"

Mulher ao Espelho - Pablo Picasso

Todos somos narcisos fixados em nosso reflexo no lago.
E os outros são caleidoscópios formados por cacos de um único e imenso espelho.
O espelho para o qual perguntamos, sem cessar.
Existe alguém mais belo do que eu?

A parte não reflete o todo, como deveria. Ao menos, não tão de perto assim.
O que eu vejo, quando te olho, a não ser um pedaço de mim?
O que vê quando me olha, senão uma projeção de si?

Passeamos pelo mundo buscando nossos reflexos nas vitrines de almas alheias.
Por vezes os encontramos, inteiros. Belos, na luz perfeita da verdade, do amor.
E isso é muita sorte.

Outras vezes nos vemos distorcidos. Irreais.
Perdidos, como na sala de espelhos de um parque de diversões. No labirinto dos medos.
E isso não é azar.
É apenas o espelho que agora escolhi.

Alguns espelhos emagrecem. Outros, engordam.
Uns mostram cada pequena imperfeição. Outros disfarçam, cada uma delas.
E alguns, ainda, desvendam aquilo que mais tememos enxergar.
Mostram o outro lado.
E, do outro lado, tem o outro.
Tão igual, tão diferente. De mim.

Tenho medo do que me reflete e me é tão estranho.

Levo um susto:
Por que eu?
Por que não eu?
É, já dizia Caetano. Narciso acha feio o que não é espelho.

Cacos podem espelhar, brilhar.
Ou cortar. Cegar.
Machucamos o outro, porque não nos sabemos ele.

Não nos sabemos cacos, que são os outros, e também somos nós.
Pedaços de um todo, mas as peças mais diversas.
De um mesmo, gigante e complicado quebra cabeça.
Deste enorme imperfeito espelho.
Que quase ninguém parece entender. Ou ver.


Dani Altmayer
( Reflexões sobre preconceito)





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