quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Primeiro Você


Se ele virar para trás, é porque ainda tem jeito. Tudo o que merece uma última olhada é porque ainda tem jeito. Eu acho. Vira, por favor, vira e sorri para mim. Ou não sorri, mas vira, pode ser um pouquinho. Pode ser de leve. Uma viradinha, só isso. Um canto de olhar. Um fiapo. Qualquer coisa.
- Vira, vai.
- Ele não vai virar.
Não virou.
Bendita hora que vim de óculos escuros.
- Óculos escuros, no aeroporto, à noite?
Deixa. Todo mundo usa, qualquer um usa.
- O que que tem?
É que eu estou chorando, porra. Que merda. Chorando rios.
Como na porcaria da música que a mãe dele ama.
- Ele não se virou. Nem uma vez.
Um abraço frouxo, meio empurrado. Um sorriso torto.
- Se cuida. Fica bem.
Como assim, fica bem?
"Se cuida", quem?
-Tchau.
Fila do embarque enorme. Mais de 10 minutos. Muito tempo. Uma eternidade.
Não virou.
"Desliga você. Não, você. Você. Um beijo. Outro. Saudade. Já? Ainda. Sempre. Tchau. Ah, lembrei de uma coisa. Fala. Não quero ir. Não quero que você vá. Preciso. Vai. Um beijo. Outro. Te amo. Mais. Te amo mais. Vou morrer de saudade. Idem. Pensa em mim? O tempo todo. Vou te levar na mala. Mais um beijo. Dois. Sonha comigo. Acordado. Boa noite. dorme bem. Esqueci. O quê? Nada. Tudo. Tá tarde. O tempo voa. Quero parar o tempo. Um beijo. Outro. Onde? Tchau. Tchau. Oi. Já? Ainda. Sempre. Nunca. "
Tchau.
Mesmo? Tchau. Mesmo.
- Hein?
- Vamos embora, Marina.
- Como pode, Ana?  Como pode...
Nem uma vez, sequer.
Então é assim, quando acaba?
- É.
Tchau.
Tchau, e deu.
E basta.

Dani Altmayer


4 comentários:

  1. Alison Guedes Altmayer8 de agosto de 2014 às 09:36

    "Cadê o ticket de embarque? Abro o paletó e pego no bolso, enquanto o cheiro do perfume francês, usado em exagero, sobe e me deixa nauseado. Ele vem de onde ela se agarrou em mim, como se eu fosse o redentor da solidão dela. Trouxe até a amiga para testemunhar esse fim. Traz amiga, traz manicure, traz quem quiser, só não faz tanto drama. Chorou, enquanto eu pedia silenciosamente: chora, mas por favor, te esconde nesses óculos escuros. Passo o ticket no leitor e a fila anda. Assim como a minha vida também vai. O cheiro-de-fritura-de-peixe-francês feita em dia de chuva está impregnado em mim, na minha roupa e na minha pele. Isso só sai em lavanderia e com sorte acho uma em dois dias – tempo que vou levar para te dar tchau e que vou conseguir te deixar no saguão do embarque, mendigando meu último olhar. Não vais ganhar, não estou de óculos escuros."

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  2. José Antonio Altmayer8 de agosto de 2014 às 13:48

    Uma despedida no aeroporto.
    Naquele dia, ou melhor dizendo, naquela noite cheguei cedo no aeroporto. Meu voo era noturno, de longa distância, com três escalas difíceis. Cheguei cedo por medo de que o transito me atrasasse e também porque, apesar de veterano, ainda sinto uma certa ansiedade antes de cada viagem. Por sorte esse aqui é um dos aeroportos que tem uma boa sala de espera para tripulações, no andar superior e projetada sobre o saguão das partidas. Daqui enxergo, sem que me vejam, o lufa-lufa dos que se preparam para embarcar como passageiros, muitos até no meu avião provavelmente.
    Do meu posto de observação, acompanho as famílias carregadas de pacotes, muita gente com casacos no braço, está quente aqui dentro, muita bagagem de mão e crianças correndo. Muitas despedidas também. Abraços prolongados. Beijos apaixonados. Troca de lembranças e de telefones.
    Observo então um trio, que me chama a atenção dentro do povo lá embaixo. Ela havia chegado abraçada nele, pendurada eu diria, seguida por outra moça, alguns passos atrás. Trocaram algumas palavras, ele a abraçou rapidamente, acenou para a outra sem sorrir e seguiu em passos rápidos até o ponto de embarque. Tocava em todos os bolsos e remexia numa maleta de mão em busca de alguma coisa, documento talvez. As duas jovens o seguiam com o olhar, numa certa expectativa, na ponta dos pés. A de cabelos louros, alta e elegante, que chegara abraçada nele, estava de óculos escuros. A outra, também uma bonita mulher, a amparava e quando se viraram rumo à saída percebi que os óculos escuros, de noite, escondiam um choro não controlado. E ele sequer deu uma olhada para trás, simplesmente seguiu em frente e sumiu nos portões de embarque. De repente me vem à cabeça uma frase que alguém colocou na Internet recentemente: a demora do tchau é o quanto uma pessoa quer ficar.
    Fora muito rápida aquela despedida.
    Termino meu café e ligo para casa, para uma segunda despedida de minha mulher, prolongando o tchau para que saiba o quanto quero ficar. Bom voo meu comandante me responde ela.

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  3. Quando aconteceu não sei
    Quando foi que eu deixei de te amar?
    Quando a luz do poste não acendeu
    Quando a sorte não mais soube ganhar
    Não...
    Foi ontem que eu disse não
    Mas quem vai dizer tchau?

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  4. Você vai ver
    Você vai implorar me pedir pra voltar
    E eu vou dizer
    Dessa vez não vai dar

    Eu fui gostar de você
    Dei carinho, amor pra valer
    Dei tanto amor
    Mas você queria só prazer

    Você zombou
    E brincou com as coisas mais sérias que eu fiz
    Quando eu tentei
    Com você ser feliz

    Era tão forte a ilusão
    Que prendia o meu coração
    Você matou a ilusão
    Libertou meu coração
    Hoje é você que vai ter de chorar
    Você vai ver

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