quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A Maria

Todo mundo sabia.
Há anos ele fazia o mesmo trajeto, no final da tarde. Saía a pé do escritório, passava na padaria, comprava o pão quentinho, alguns frios, e, de vez em quando, um sonho. Maria amava sonhos. Não podia comer todo dia, desde que descobriram a diabete. Nada de sonhos, Maria, dissera o doutor Carlos, o médico da família.
- Como viver sem sonhos, doutor?
Então, de vez em quando ele comprava um sonho, de doce de leite. Para fazer a vontade da Maria. E todo dia ele tomava um café pingado com o Manuel. 
Depois seguia pelas duas quadras e meia que separavam a padaria de sua casa, cumprimentando um vizinho aqui, outro ali. Não costumava se atrasar. Sabia que Maria o estava esperando, com chimarrão pronto. Para assistirem à novela das 18hs, Céu dos Anjos. Era a única que prestava, não tinha baixaria. Maria detestava baixaria. 
De vez em quando ele comprava umas flores, do menino da esquina, o Tião. Maria gostava de flores. Todas as mulheres gostam de flores. Mas não todo dia, para não acostumar. E flor é caro, também. Maria não gostava de desperdício. Cuidava bem do dinheiro, do orçamento apertado.
- De novo, José? As outras nem murcharam ainda, olha ali. Quarenta anos e não aprende… 
Reclamava com a boca, mas seus olhos sorriam. Porque ninguém vive bem, sem flor e sem sonho. Muito menos a Maria, que tinha alma de artista. 
Fora cantora de baile, décadas atrás. Antes de se casarem, de ela engravidar do primeiro, do segundo, depois dos gêmeos, que trabalhão. E ainda teve a Maria Clara, a rapa do tacho, como se diz por aí. Hoje mora na França, quem diria. Paris. Para tristeza da Maria, que tem a foto da filha e da torre, na sala, em um porta retrato enorme. Do lado do vaso de flores. Os outros filhos reclamavam, com ciúme. Por que só dela?
- Filho longe é assim, vocês vão ver quando os meninos crescerem- explicava Maria, sufocando a saudade.
Todo mundo sabia. 
Há anos ele fazia o mesmo trajeto. Saía a pé do escritório, passava na padaria, comprava flor do Tião, ou não. Há anos ele demorava o mesmo tempo, via as mesmas pessoas, e chegava em casa no mesmo horário, faltando cinco minutos para as seis da tarde. Para ver a novela, e tomar chimarrão. Com a Maria.
Então, ninguém estranhou hoje, quando, já passado da hora, o viram sentado no banco da praça. 
Segurava, nas mãos trêmulas e murchas, um ramo de flores enrugadas. E uma sacola de papel. Vazia.

Dani Altmayer

Exercício da Oficina de Escrita Criativa-  Escrever um texto de amor.
           

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