domingo, 27 de junho de 2021

Maluco beleza


As dores que não imaginamos

"Tu sabe o que é ter 20 anos e uma solidão imensa?"
Ele tem a idade do meu filho e os olhos bonitos, cor de mel. Sofre de esquizofrenia e depressão. Desde quando? "Desde sempre, eu acho, mas principalmente desde os 13."
Mora com a mãe, "fica um em cada quarto, doutora." Trabalha num supermercado, onde não fala com ninguém, porque nenhuma pessoa é digna de confiança. "Nenhuma pessoa no mundo inteiro é confiável. Todos querem te tirar algo."
Ele me diz que a esquizofrenia está controlada com a medicação, mas para a tristeza que sente não tem remédio que dê jeito.
Gosta de ler, se refugia nos livros, mas culpa um pouco os livros por ser assim tão esquisito, por ter tantos pensamentos, por não se encaixar.
Ele deixa o consultório, e me deixa também pensativa e comovida.
Pela vida estranha e crua de um menino ainda, pela solidão que assim não conheço, mas, e principalmente, pela parte que me toca neste latifúndio: de algum jeito, somos nós e nossos preconceitos que tornamos o mundo dele, e de tantos outros, um lugar hostil.
Tão mais fácil seria se cada um de nós já soubesse, desde sempre, que não há encaixe possível.
Porque de perto, né? É aquela coisa, ninguém. E todo mundo, um pouco.
Canta, Raul:

"Enquanto você se esforça pra ser
Um sujeito normal e fazer tudo igual
Eu do meu lado aprendendo a ser louco
Um maluco total, na loucura real"

Que nossas diversidades sejam melhor acolhidas.






 

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