domingo, 4 de julho de 2021

Gaiolas e desejos



 

O sol derramado sobre a mesa e o livro aberto dos teus olhos, os fios prata na tua fronte febril, a gentileza dos dedos indóceis a esculpir as letras, linhas entre vãos, desenhos em arrepio, desbravando estranhezas, libertando pássaros, resgatando frases, onde andará meu amor, tateio a palavra perdida com a sofreguidão de um beijo, na ânsia de quem busca uma graça, um gozo, um abrigo, com a saudade faminta de um amante há muito esperado, há tanto, as carícias repartidas em estrofes a romper o frio dos silêncios, toda voz calada agora se abre, escancarada e cheia de dentes, na sede de lamber o lirismo da tua boca, beber na fonte tua saliva espessa de poesia, a avidez a destravar a língua num grito incontido de prazer e dor, transbordando em versos toda a fúria reprimida, toda letra esquecida, todo bem-querer encoberto em quartos de lua, em crescentes de hotel, em lentas tardes fartas, clandestinas de um infinito azul.


Sobre escrever 

Desenho de Frida Castelli







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