sábado, 13 de dezembro de 2014

O mundo de Pietro

Pietro nasceu com um defeito na asa esquerda. Quando era bem pequeno, e ainda não tinha penas, ninguém percebera. Nem mesmo sua mãe.

Eles eram cinco irmãozinhos, famintos e gritões, e ela estava muito ocupada em buscar comida o tempo todo para alimentar aquelas bocas escancaradas.



Eles haviam nascido na primavera e moravam em uma árvore florida e cheirosa. Divertiam-se a observar os passantes na rua calma de um bairro de Porto Alegre.

Tinha o seu João, o afiador de facas. Ele se anunciava com um apito longo e agudo, que os filhotes tentavam em vão imitar.



Tinha a Tita e a Tata, as gêmeas que jogavam amarelinha na calçada. Desenhavam, com o giz, um céu lindo de sol e passarinhos.



Tinha a dona Cândida, uma velha mal humorada, e seu cachorro caolho, o Ogro. Ele sempre rosnava para a gurizada que jogava bola no meio fio.


E tinha o Bernardo, o Bê, que passava as tardes rodeado de livros, lendo à sombra da velha árvore. 



Era uma vida boa no ninho. Comiam, dormiam e contavam histórias para se inventar. 
Inventavam histórias para quando pudessem voar.

Quando suas penas começaram a crescer, Pietro percebeu que tinha uma asa torta. Mostrou para a mamãe, sempre ocupada.
- Não é nada, vai passar.

Mas não passou, e o problema só piorou. Seus irmãos começavam a dar os primeiros voos, bem curtos, de um galho ao outro. E ele sem sair do lugar.



A mamãe chamou o doutor Sabiá, que decretou:
- Esse daí nunca vai voar.
Pietro chorou.



Seus irmãos iam longe já, e voltavam cheios de aventuras e presentes. 
Uma minhoca diferente, uma flor, um galho macio. Eram legais com ele.
Mas ia chegar o dia em que não voltariam, e Pietro sabia.

Ele tinha as pernas fortes, de tanto saltar. De vez em quando tentava um pulo para o galho ao lado.
Com medo de que caísse, mamãe não deixava ele se arriscar.
Ele tinha o coração triste, por não sair do lugar.

Estava ficando muito grande para o ninho, agora. Sentia -se apertado. 
Já não achava graça de olhar a rua, nem de inventar histórias sem pé nem cabeça.
Queria vivê-las.
Adivinhava o mundo, mas não sabia. Nunca saberia.


Com o tempo, foi se acostumando a ficar.
Os dias eram sempre iguais para Pietro no ninho.
Uma tarde, no fim do verão, ele viu um menino subindo na árvore. 
Era o Bê, o garotinho solitário amigo dos livros.

Pietro ficou assustado, a mãe não estava por perto, ele estava sozinho.
Cantou alto, desesperado.
O menino subiu até onde ficava o ninho, e pegou o passarinho com cuidado.
- Coitadinho, tem a asa quebrada!


Bê então, devolveu Pietro ao ninho e desceu. Foi correndo para casa.
A pequena, da porta amarela.
Voltou instantes depois, com um livro e uma maleta na mão.
_ Vou consertar sua asa.

Olhando com atenção as gravuras do livro que para Pietro parecia mágico, Bê fez uma tala, com um pedaço de madeira. 
Esticou a asinha estragada.
No começo doeu um pouco, mas depois ele se acostumou. Agora Pietro podia abrir as duas asas e bater, de leve.
- Você pode voar! Tenta!

Ainda com medo, Pietro tentou. Um voo desajeitado, pousou meio de lado, dois ou três galhos mais abaixo.
Encorajado pelo novo amigo, voou e voou, devagarinho e ressabiado.
De lá para cá, e de cá para lá.
De galho em galho até o outro lado.
O sol se punha quando a mamãe chegou, e se assustou com a novidade. Mas ficou feliz.
Pietro estava muito feliz.

Sabia que nunca poderia voar alto. Nem longe.
Não se importava.
Dava pequenos passeios pela árvore, e de vez em quando descia para ouvir o Bê contando as histórias de seus livros de aventura. 
Pousava no ombro do menino e olhava as figuras, sua imaginação viajava.

Pietro descobriu muitos mundos assim. 
Nos livros.
Mesmo sem voar longe, nem alto.
E conheceu, assim, algumas das coisas mais importantes da vida.
A esperança, o amor e a coragem.

Porque, quase tanto como água e comida, a gente precisa de amigos.
A gente precisa que acreditem na gente, para a gente também acreditar.
E é só quando se acredita que se conquista.
As coisas todas, e a maior de todas as coisas, nossa pequena liberdade infinita.


Dani Altmayer

5 comentários:

  1. Às vezes a gente se sente no mundo como um pássaro caído do ninho, com a asa quebrada e sem poder voar. Aí a gente tem muito medo, porque o mundo é cheio de perigos para quem não pode voar. Uma solidão danada toma conta do pássaro ferido.
    Até que ele vê que a solidão, apesar de real, é também ilusão. Porque quem tem amigos nunca está só, mesmo sozinho.
    Quem tem um amigo, tem o mundo em suas mãos.
    A história é infantil.
    Mas o agradecimento não.
    A todos os meus amigos que de uma forma ou outra, tornaram, nesse final de ano em particular, e na vida em geral, o meu caminhar mais leve e os meus voos menos impossíveis.
    A todos que me deram a mão, ou emprestaram a asa, meu muito obrigada!

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  2. Dani, que doçura de história. Fiquei emocionada.
    Eu agradeço a tua presença em minha vida. Tu me ajudas a sentir-me menos só. Verdade, quem tem um amigo, tem o mundo em suas mãos.
    Obrigada por seres minha amiga e por me proporcionar momentos mágicos com teus textos. ❤️

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    1. Marcia, querida amiga, de tantos anos, de tantas risadas e alguns choros…Eu é que te agradeço pela amizade e paciência para me ler, e sempre comentar algo carinhoso. É muito bom esse retorno. Bjão

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  3. Que linda história!!Mostrei para minha filha a Carol, que tem 11 anos ela ficou emocionada!
    A Carol ama ler e participa de um projeto chamado 'hora do conto' em uma escola do nosso bairro em que ela vai uma vez por semana para ler para outras crianças de 7 a 13 anos, e ela perguntou se tu permites que ela copie a história do Pietro para contar no projeto, pois ela procura sempre ler algo que incentive e motive as crianças e a história do Pietro está maravilhosa!!!Parabéns mais uma vez.Bjos

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    1. Claro que a Carol pode levar a história, nada me deixaria mais feliz. Que iniciativa legal, parabéns!
      Eu tenho um projeto embrionário para o ano que vem, que envolve o estímulo à leitura em comunidades carentes. Quem sabe ela pode me dar umas dicas?
      Beijos para as duas, mãe e filha. Obrigada pelo carinho

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