quinta-feira, 13 de abril de 2023

Não olhar para trás


 Inspiro com força, solto o ar com um suspiro. O cheiro do caminhão de porcos atravessa a cidade.

Ainda que fosse verão, era noite. Não se chega a lugar algum à noite. Não da primeira vez. Pior ainda se fosse inverno, hoje sabemos do que um inverno é capaz, e ainda que nos tivessem avisado, não avisaram.
O ônibus atravessa o estado errando todas as previsões, parando em todas as estações. Vai para o norte, volta de muito longe. E não tem direto. O horário é o da sorte, às vezes se espera algumas horas, em outras vezes se chega atrasado.
A estrada vai estreita, à medida em que se alarga a paisagem e o céu se torna mais alto e profundo, os buracos enormes arrebentam pneus e esperanças.
A mulher e a criança embarcaram com a gente, e seguem. Ela usa um lenço colorido na cabeça. O menino ainda mama no peito, deve ter uns 4 anos. Os dois têm os olhos grandes e a pele escura. Viajam calados. Imigrantes, fugidos de alguma guerra, alguma fome, outros perigos. Como nós, estrangeiros.
A viagem interminável da diáspora tem essa mudez, os olhos e a boca secos, não adianta chorar quando se tem medo. O choro, se aprende logo, guarda um fio de futuro, nasce das coragens. E as coragens deixamos lá atrás, na primeira rodoviária. No ponto de partida, nalgum sítio que chamávamos lar, nós, a mulher, o menino mamão, os que já saltaram, os que ainda vão entrar. Os trabalhadores de estação, provisórios, pobres coitados, destituídos de si. Vinho, abatedouro, frigorífico. Minas de carvão, soja, milho. Eles vêm porque precisam, nós também.
Os motivos de ir embora são sempre outros, as promessas de chegada, essas são iguais para todos.
A velha ponte de madeira, envolta nas névoas noturnas do rio, é a última e frágil divisa. Chegamos ao próximo destino.
A cidade dorme enquanto pego a mala e ando na rodoviária deserta. As rodinhas fazem barulho no silêncio da madrugada.
A mulher e o menino sentam no banco da praça. À espera de alguém ou de amanhã.O que vier primeiro.
O relógio da igreja está parado, marca meia hora, meio dia. O ônibus parte, apressado. Tem uma longa viagem pela frente. Todos nós.

Nenhum comentário:

Postar um comentário