quinta-feira, 25 de novembro de 2021

O escritor







O chapéu escondia os olhos cinzentos. Olhos cor do mar em dias de tormenta. Estava sempre ali, no banco da praça, na hora em que ela saía da boate. Fumava o cachimbo sob a luz tênue do único poste, não dizia palavra, mal levantava a cabeça enquanto ela acendia um cigarro. Tragava fundo, a boca de batom borrado, as unhas pintadas de glitter, a alça do vestido deslizando pelos ombros. Descalçava o salto, cruzava as pernas, suspirava aliviada. Gostava de ficar ali, naquele banco, naquela praça, ao largo dos bêbados e mendigos, junto àquele homem que não queria nada. Só uma vez ela ofereceu e ele negou, a voz rouca e firme, o cheiro do fumo remetia a lembranças do avô pescador, há muito falecido.

Ele sabia seu nome, Mariana. Pronunciava de forma engraçada, com sotaque estrangeiro Nunca disse o dele, nem ela insistiu. Era o homem do chapéu. Usava roupas largas, tinha uma idade indefinida e uma tristeza adivinhada. Ouvia suas histórias com atenção, conhecia todas as meninas e os clientes, às vezes tomava notas num caderninho com capa de couro, que puxava do bolso do paletó. Raramente fazia perguntas ou tecia comentários.
Tinha sempre à mão o isqueiro e um lenço azul, para enxugar as lágrimas das piores noites.
Quando ela terminava o segundo cigarro, ele a acompanhava até a porta da pensão e seguia andando pelos paralelepípedos da rua mal iluminada, rumo ao cais.
Ia de cabeça baixa, imerso na solidão e na fumaça do cachimbo, as roupas cada vez mais largas, os passos cada vez mais lentos. Ela ficava olhando até ele sumir, calado, na névoa da madrugada.
Só então fechava a pesada porta com as trancas de ferro e subia, tentando não fazer barulho, pela escada de vigas soltas.

Um dia, ele não estava lá.
No assento do banco ela encontrou um pequeno livro de poesias e a dedicatória impressa: para Mariana, das noites claras.
Na contracapa, a foto e o nome do homem do chapéu.
Depois disso, nunca mais o viu.



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