domingo, 23 de setembro de 2018

Desajustada


É só andar na linha e tudo bem. Eles dizem.
Quem?
Eu não ando na linha.
Já tentei, mas sou muito descordenada.
Naquela brincadeira de criança em que não pode pisar na linha da calçada: eu sou a que sempre pisa. Não pode pisar na pedra branca, eu piso.
Não pode queimar na amarelinha, eu queimo.
(Sempre tão difícil de chegar no céu.)
Tenho problemas de visão. Eu não enxergo a linha e não me importo.
Já tentei, mas a linha me deu um nó.
Pensava, ingênua, que a linha traçava uma reta entre dois pontos.
Nascimento e morte, linha da vida.
Era só seguir adiante, sem erro.
Como eles, dizem. Caminho do meio, terra plana.
Mas não funcionou nem poderia. O mundo é redondo, e gira.
Quando eu estava chegando, tive que voltar. E vice-versa.
Mais de uma vez.
Confundi a linha de largada com o destino final.
Me enrosquei em novelos sem achar a ponta
Cometi erros. Alguns graves, alguns bobos.
Todos meus.
Conheci pessoas. Pessoas nos fazem voar.
Não todas. Algumas.
Levei sustos. Tantos.
Vivi alegrias e dores, tive surpresas.
Li livros, inúmeros.
Livros nos fazem mudar.
Mudei de ideia. Muitas vezes.
Foram tantas reviravoltas que perdi a linha.
(De quem?) Quem quer saber?
Danem-se os eles.
Mesmo que não fique tudo bem, prefiro andar assim.
Só sei andar assim:
Desalinhada.

Daniela Altmayer




Um comentário:

  1. Querida Daniela
    Eu peguei o andar na linha, pelo lado disciplinador, corretivo e truncado da infância e depois pelo social-político, aquela obscura comandância opressora.
    O efeito no fim foi de um bumerangue, consegui meu grau de liberdade e hoje aplico-de forma “positiva”- esse desalinhamento nas minhas pesquisas, na vida e na minha leitura. Persigo a novidade, a inovação e não a linearidade; não vou com a mesmice, com a continuação dos modelos aceitos e pouco discutidos. Sou da qualidade sobre a quantidade. Ah!: No peito dos desalinhados também bate um coração.

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