domingo, 15 de julho de 2018

Liberdade, igualdade, fraternidade


Hoje pela manhã, enquanto pedalava, ia pensando na minha vida e me veio uma frase aleatória à cabeça: algumas revoluções são silenciosas. Tão silenciosas, que só quando passa um tempo a gente percebe que aconteceram.
Quando acabou a final da copa, eu que ao contrário dos meus vizinhos torcia (sem muito empenho) para a França- por razões bobas como: gosto da língua, amo Paris, uma irmã minha mora na França, ontem foi 14 de julho, um desses motivos que a gente acha para tomar partido, enfim, fim de jogo e de festa, decidi assistir a um talk show que estava na minha lista. Hannah Gadsby- Nanette.
Hannah Gadsby é uma comediante lésbica, nascida na Tasmânia, onde a homossexualidade era crime até 1997. Mas claro que ela é muito mais do que isso, veja por você mesma.
Na primeira meia hora do programa, quando ela fala que vai desistir de fazer comédia, eu parei para fazer um chimarrão e enquanto esperava a chaleira chiar, voltei meu pensamento para a França, não sei porquê. Lembrei de quando aprendi sobre a revolução francesa no colégio, e de como me foi tão mal contada a história que cheguei a ter pena(!) dos monarcas que tiveram suas cabeças decepadas na guilhotina. A meu favor, tenho a dizer que eram tempos de ditadura, filosofia estava longe do meu universo infantil e da minha limitada compreensão humana. 
Só muito tempo depois eu consegui ter um vislumbre diferente de tudo que aconteceu ali, da grandeza daquilo que mudou o curso da nossa história. Ironicamente, ou por aquela coisa chamada sincronicidade, (quem assistiu o programa sabe do que estou falando), pensei na importância da forma como as coisas são contadas, mais ainda, no quanto nos protegemos de pensamentos críticos, por falta de mudar as perspectivas, por preguiça ou medo de pensar por conta própria e assumir o risco.
Fim dos parênteses.
Chimarrão e pipocas na mão, voltei para a Hannah, para entender por que ela queria parar de fazer comédia. Entendi. É que ela quer contar sua história do jeito certo, com princípio, meio e fim, e quando ela fala da infância, e diz a seguinte frase: "Porque o armário só impede que te vejam, não é à prova de vergonha." e continua, falando sobre a criança que foi: "o ódio de si mesma é uma semente que só pode vir de fora", tive que dar uma pausa para deixar o choro rolar solto. 
Quem nunca se encaixou, por um motivo ou outro, pode entender o tamanho dessa dor.
Ela segue dando uma paulada em cima da outra, cheia de sensibilidade, graça, inteligência. Formada em artes, quando fala do Picasso, que ela odeia, diz que ele sofria de um transtorno mental chamado misoginia. E ironiza, dizendo que louco que deve ser odiar o que se deseja.
Fala de sofrimento, força, de resiliência, de feminismo, me diz uma coisa que já aprendi, e que fez parte da minha revolução pessoal, aquela mesma de que falava no início deste texto confuso: a diferença é uma professora.
Uma baita professora, sim. Não só ela, a história também nos ensina.
Eu queria ter nascido pronta, quem não? 
Adoraria ter reconhecido desde cedo a misoginia como um transtorno mental, assim não teria me envolvido em um relacionamento abusivo com um homem doente. Queria ter aceitado de braços abertos desde o primeiro dia quando meu irmão se disse gay, sem qualquer senão ou porém, queria ter sabido antes mesmo de ele precisar dizer. Gostaria ter entendido desde sempre que não ser racista (nunca fui) é muito diferente de ser contra o racismo, conceito esse ainda novo para mim e que tentava explicar para o JP antentem. Me encantaria ter reconhecido antes a sociedade patriarcal, e lutado contra os machismos deles (e nossos) de cada dia. Queria poder dizer que nunca depreciei uma mulher do mesmo jeito que um homem faria, queria ter vindo com o conceito de sororidade tatuado na perna feito minha mancha de nascença. Só que não foi assim. 
(Tanto não é assim, que o meu corretor nem reconhece, troca por sonoridade, ri-se da minha teimosia sublinhando de vermelho essa estranha palavra.) 
Tudo que aprendi veio com o tempo, veio bem tarde (nunca tarde demais), algumas vez por amor, a maioria das vezes. Em outras, veio com muita dor. Não caiu do céu, nada cai, fora avião e chuva. Foi uma construção. Está sendo ainda, e acho que vai ser sempre, essa revolução silenciosa e lenta a que me referia.
Ou seria, evolução?
A Hannah me cativou, me fez rir, chorar, parar para pensar, me deixou emocionada na tarde desse domingo azul.
Ela fala que entender o passado é um dom, e diz que rir não é o melhor remédio. Nem a raiva é a solução, ouçam:
"O que cura são as histórias." 
Eu acredito nisso também. A minha história é a sua, e vice-versa. 
E alguém já disse antes: todas as histórias importam.

Vale muito a pena, nos conhecermos. De verdade.

Daniela Altmayer

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