domingo, 11 de março de 2018

Desordem




São tantos silêncios a fechar o verão, no chão das incertezas desse março azul .
Não acho a blusa branca, nem a amarela, o armário me devolve a bagunça da minha cabeça cheia.
Cada peça de roupa revirada, os sapatos desencontrados, as sandálias sem par: todos me acusam de abandono. A arara de vestidos embolados, em profusão, o exagero, sempre um exagero. Falta espaço, falta ordem, falta tempo. Se não falta, falta vontade. Sobra confusão. Abro uma gaveta, o pensamento se perde numa outra dor que não é minha, mas é como se fosse, que ficou guardada na prateleira mais alta, aquela das coisas de menos uso. Tento botar de volta, mas já não cabe. Faz um calor excessivo, sufocante, e esse casaco de lã que caiu não sei de onde. Só de tocar me dá agonia, a lembrança do inverno que se avizinha, mal lembro do frio. Só que antes vem o outono, que venha: mais folhas irão cair, mais coisas vão mudar de lugar. Jogo o casaco para o fundo do armário, uma música me faz pensar em você. Abro a caixa de fotos, escolho uma qualquer: teus olhos ainda sem mágoas me sorriem do retrato. A felicidade é fugidia, meu amor. Ela é visita. O resto é improviso. A bolha estoura e a gente não pode parar o tempo, não pode parar. Mesmo querendo, e eu queria, te juro, não dá.
Desisto da arrumação, volto depois, está muito calor na desordem desse guarda-roupas. Pego a dor que também é minha e vou sentar na sala silenciosa. Preciso de anestesia, ligo a televisão, como é que a gente vivia antes das séries, bom, tem os livros, os filmes, tem o vinho. Ainda é cedo para beber, é tarde. Uma janela bate, ali adiante. Olho pelo vidro as nuvens pretas que antecipam a noite de domingo, as noites de domingo são sempre as horas mais vazias. Um vento quente anuncia tempestade, anseio por essa chuva. Tão rara nos céus desse março. Tão debochadamente azul.

Daniela Altmayer

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