domingo, 26 de novembro de 2017

Passarinha



Era uma vez uma menina que não sabia falar.
Não é que ela não tivesse uma voz, ela tinha: só não sabia falar.
Quando ela abria a boca, saía um som estranho irritante, num volume muito alto, como se fosse um grito que ninguém entendia. As pessoas tapavam as orelhas porque aquilo doía.
Por não entenderem ficavam com medo do que ela dizia.
Algumas vezes, se ela tentasse bastante, sua voz saía baixinho num sussurro- feito um vento quente que assopra na orelha um assobio incessante.
Todo mundo achava triste mesmo sem entender-as pessoas tapavam os ouvidos porque era impossível ouvir aquele lamento sem chorar ou gemer.
A falta de palavra dita incomodava a toda gente, menina esquisita.
Uns bem que tentaram ensinar, A E I Ó U, outros mandavam benzer ou rezar. Um viajante trouxe poção de terra distante.
Por um ano ela comeu só mel e miolo de pão.
Tentaram de tudo. Nada, tudo em vão.
Então pensaram bem e concluíram que a cabeça da menina não funcionava, também: retardada, abobada, lesada.
Dessas coisas a chamavam, por trás e pela frente, descuidados que eram- e que são.
Faziam rima pequena com problema grande, troça com coisa que dói, mas a menina não se magoava. Pelo contrário: parecia nem se importar, respondia lá do jeito dela (ela sim, tudo compreendia). E sorria. Sorria sem parar.
O sorriso da menina era a parte mais difícil de entender. Qual seria o segredo? Havia de ser mesmo meio destrambelhada, a pobre coitada.
Com o tempo, ela foi deixando de tentar. Aos pouquinhos, e então de repente, emudeceu.
O povo não sabia o que era pior de se ter, se a menina quieta e resignada, sorridente, ou a voz que antes não entendiam mas que ao menos podiam escutar.
É que ninguém gosta de nada assim tão diferente, dá um não sei o quê de susto (e de raiva) na gente.
De que adianta ter voz, se não se sabe dizer?
Se não pronuncia sequer uma palavra, melhor seria não viver, melhor então seria morrer. Decidiram, assim, pôr fim na estranheza- naquela incerteza que dava tanta agonia e causava tamanha confusão. 
Deixaram a menina no mato, com uma cesta de comida e um já volto que era pior que mentira. A menina apenas sorria, serena e calada, sentada à sombra da árvore pequena. Parecia mesmo feliz, assim largada:
Adeus, adeus... 
Uns juram que escutaram, quiseram voltar: será que ela sabia, afinal?
Não a encontraram mais em nenhum lugar. Deixaram para lá.
(Como é -e tem que ser, e será.)
A maioria esqueceu da menina, depois de um tempo.
Poucos ainda a ouvem cantar.

Daniela Altmayer ( Conto de fadas para a oficina de escrita criativa)

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