domingo, 17 de setembro de 2017

Bela adormecida

Pintura: Cumplicidade por Marília Nunes

Era uma tarde ensolarada, fazia um calor ameno de fim de primavera. Pela janela de cortinas semi-cerradas entrava o canto dos passarinhos e uma ou outra voz difusa, distante. 
Sons intrusos de um mundo distante.
Estavam os dois no sofá, nus e sonolentos após o sexo vespertino.
Ele desperta e se ergue sobre ela, tirando o peso, mas sem soltá-la totalmente.
Surpreso, ele sente seus mamilos também despertos. Escorrega o corpo e encaixa o quadril entre suas coxas, agora com a intenção de imobilizá-la. Ela acorda miando.
A língua dele, ainda seca, toca o bico do seio esquerdo. Ela geme, e ele sente seus músculos se retesarem. Passa um braço por baixo dela, colando os ventres para sempre. 
Segue passeando a língua, provocando o bico- os dentes raspando a pele, mordendo de leve. 
Ela, presa no abraço, só consegue respirar ofegante, e a cada chupada dele aumenta o ritmo e o gemido. Surpreso, ele antevê um gozo inédito. Sente os braços se debatendo e finalmente relaxando sob os seus. 
Ela sente escorrer entre as pernas o deleite inesperado, viscoso, melado. As coxas se colam uma à outra, na tentativa de reter o instante. Os olhos dela são lampejos de puro espanto. 
Ele segue com o seio quase inteiro dentro da boca até cessarem os espasmos. Uma fresta de sol entra pela janela, e se aninha entre seus pelos dourados. 
Uma lágrima escapa ao sorriso mudo que ela lhe devolve, junto com a pergunta suspirada:
-O que foi isso?
Pergunta que repetiria muitas vezes, para si mesma e para ele, ao longo dos meses seguintes. Meses de uma exploração sensorial mútua, febril. De liberdade fêmea recém-chegada, nascida naquela tarde de sol inclinado. Pergunta espantada a cada novo gozo revelado, inventado, aprendido. A cada centímetro de pele conquistado, lambido: invadido, como se nada fosse indevido ou sagrado, a partir dali nada nunca mais foi proibido. 
As janelas e as portas do prazer foram bem mais que abertas, escancaradas. Mordidas com todos os dentes. Destravadas com força, com delicadeza. 
Foram meses de coragens, entregas, voos -solo e casados. Viagens ao centro de tudo, guiadas por ele, para ele e com ele: sua melhor parceria. 
Fui despertada por um beijo.
Ela me conta isso da distância de um tempo já transgredido, me fala das mil possibilidades do amor. Seus olhos escuros brilham ao me ensinar que tudo é- ou pode ser- erótico nesse mundo. "Erótica é a alma". 
O sexo que se espalha pelo corpo começa na cabeça e não se restringe a parte alguma, nunca. Não precisa. 
Ela ri e desdenha dos filmes pornô, até gosta, não se trata disso: apenas não precisa.
É tudo tão mais.
Estirada no mesmo sofá, taça de vinho na mão, sua voz se embriaga na lembrança:
O assombro da descoberta ainda hoje se mescla à sensação de infinitude apreendida naquela tarde, pela boca do homem que ela se perdeu a amar- naquele instante ou bem antes. 
Depois. 
Como não amar quem nos livra das correntes?

Dani Altmayer



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