segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Respeita minha fé

Mais uma de consultório ...


É sua terceira consulta comigo.Ela tem quase oitenta anos e me conta que está fazendo um tratamento espiritual para a falta de equilíbrio, andou caindo muito nos últimos tempos. "Eu tenho muita fé, doutora." 
Vem para me mostrar exames, e enquanto conversamos ela me dá um santinho de Santo Antônio de Categeró. Diz que vai na capela dele antes do Natal e vai mandar rezar uma missa, e acender uma vela por mim. Que eu tenha fé que ano que vem vou estar com um marido muito bom ao meu lado, " como eu mereço". Santo poderoso esse, foi escravo, não conhecia. Desconfio que ela anda falando com a minha madrasta, mesmo assim agradeço sua preocupação e carinho, renovo sua receita e lhe desejo boas festas.
Antes de sair ela pede para me contar uma história, consultou com uma residente de cardiologia pois sua médica estava doente, e levou uma lista escrita de coisas para não esquecer. Entre elas, ela queria falar da novena que fez para um santo do interior de São Paulo, e que, graças a isso, tinha regulado sua pressão. A médica residente riu, fez pouco caso, mas sacou o celular, pedindo para tirar fotos da sua listinha.
-Doutora, ela queria rir de mim com os outros. Na hora não soube o que fazer, deixei. Ela era tão novinha, mas sem educação.
Perco a hora conversando com ela, e no fim ela conclui: "existem médicos e médicos, doutora."
Eu digo, existem pessoas e pessoas, dona querida. Ela segura na minha mão, olha bem fundo nos meus olhos e diz, profética: ano que vem, pode acreditar! Eu sorrio, achando graça na minha pouca fé e guardo o santinho na bolsa.
Tudo bem.
Achar graça pode até ser inevitável. Ridicularizar e desrespeitar é que não pode. Nunca.


Dani Altmayer

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