quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Meditando



Depois de tanto minha mãe insistir, me matriculei na academia. Não é a mais próxima de casa como ela queria, mas é um lugar onde consigo me sentir bem. Talvez "me sentir bem" seja um pouco de exagero, acho que o mais certo seria dizer que é um lugar onde consigo passar desapercebida. Lá quase não tem aquela gente gostosa e sarada se exibindo em frente ao espelho. Todo mundo parece meio cansado e de saco cheio como eu. Suspiram e bufam como eu. A gente está ali cumprindo um dever mesmo, empurrando aqueles pesos todos com as pernas e pensando na vida, dura e difícil como ela é.
Comentei com o instrutor que eu andava meio ansiosa, o terapeuta está diminuindo os remédios, e ele me recomendou fazer uma aula de meditação. Tem todo sábado pela manhã, junto com alongamento. De tudo o que já li sobre meditação achava quase impossível eu conseguir, essa coisa de parar o pensamento só funciona comigo depois de uma garrafa de vinho, aí eu faço merda mesmo, não penso em mais nada. Ou apago, o que dá no mesmo. De resto, se me perguntarem o que eu faço o dia inteiro, respondo fácil: eu penso. Eu penso o tempo todo sem parar. A ideia de meditar era meio absurda e improvável, mas decidi arriscar.
A aula é numa salinha no andar de cima. Cheguei em cima da hora, eu tinha vestido uma daquelas calças largas de yoga que ficam lindas nas magras, e só nelas. Talvez nem nelas, pensando bem. A sala estava à meia luz, e haviam acendido um incenso bem forte. Eu até que gosto, minha rinite é que não. Sentei em uma das almofadas dispostas em círculo, e cruzei as pernas imitando os outros. Não foi nada fácil. Logo o professor começou a entoar um mantra que não consegui repetir, fiquei fazendo um barulho com a boca na esperança de soar parecido, e depois ele mandou a gente ficar em silêncio por dez minutos, fazendo um malabarismo com os dedos da mão que ele chamou de mudrá. Concentra na respiração, inspira, expira, deixa os pensamentos passarem. E eu fixa no almoço de família na casa da minha avó, na massa com carne de panela e mais especificamente na sobremesa, arroz de leite. Ultimamente penso muito em comida. Dez minutos parece pouco, mas experimenta ficar com as pernas e os dedos cruzados sem se mexer esse tempo todo. Comecei a sentir um formigamento insuportável, acho que deve ser isso o que eles chamam de consciência corporal.
Quando achei que não ia aguentar mais, começaram os exercícios de alongamento para liberação dos músculos e da tensão acumulada na semana de trabalho (eu não trabalho, mas tensiono igualmente). Passamos a libertar nossas dores uma a uma, em posições que não ouso descrever. Teve uma hora que achei que não ia voltar ao normal, minha coluna fez um barulho estranho e quando vi tinha todas as dores do mundo em mim. Santa rigidez.
No fim de tudo ele mandou a gente deitar no tatame, fechar os olhos e colocou uma música suave, violinos e piano, e começou a falar. "Imaginem que estão numa praia deserta, o dia está chegando ao fim, os últimos raios de sol banham a areia de cor de laranja, e as ondas do mar batem em suas pernas, a água está quente"... E por aí ele continuou, tocando uns sininhos.
Não sei se foi  a música, o incenso, o tom de voz dele ou o Rivotril que tomei escondido, mas de repente eu estava naquela praia, e era quase magra como há cinco anos, meu cabelo longo e esvoaçante, meu corpo não tinha peso algum, eu flutuava em uma luz dourada, depois eu estava nua deitada na areia, deixando as ondas lamberem meu corpo em carícias mornas, a espuma macia me tocando, e senti uma mão por entre minhas pernas, não abri os olhos, abri mais as pernas, não sei de quem era a mão, mas estava bom, tão bom, tão...
A música parou, e eu levantei a cabeça, subitamente arrancada do meu deleite. Todos me olhavam, uns mal disfarçaram um sorriso constrangido. Eu sorri também, ainda fora de foco. As luzes se acenderam e a aula acabou com mais um mantra que não tentei imitar. Só pensava em chegar em casa e terminar o que tinha começado naquela praia.
No almoço, para alegria da minha mãe, eu não repeti a massa e pulei a sobremesa.
E para seu desespero, resolvi dar um tempo na academia para me dedicar à prática da meditação. Transcendental.

Dani Altmayer
( exercício para a oficina- "sair de si")




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