terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Sexo forte


Outra noite sonhei que estava numa passeata feminista, aos berros, segurando um cartaz que não lembro o que dizia, no meio de um monte de mulheres de seios de fora. Acordei rindo muito. Eu, que até pouco tempo atrás não me diria feminista, provavelmente para não assustar nenhum provável candidato a homem para chamar de meu. Eu,que no ano passado só não fui na marcha das vadias porque estava trabalhando no plantão. Eu, que da teoria sei muito pouco, venho aprendendo na prática o que significa esse movimento que tanta gente ainda insiste em desclassificar, rebaixar, estigmatizar.
Ontem li o polêmico texto da Fernanda Torres, atriz que admiro muito por seu trabalho (como atriz) e continuarei a admirar pelo mesmo motivo. Com o título de Mulher, em um site destinado a dar voz à mulher, ela teve a coragem de dizer "o machismo não me incomoda". Se essa frase tivesse sido dita em uma conversa entre amigas, em um bar, talvez não tivesse o caráter leviano que infelizmente teve. Todas poderiam dar risada, e ela poderia explicar que gosta de um homem másculo ( também gosto), acho que foi isso que ela quis dizer, talvez ela tenha problema de linguagem, o português não é fácil mesmo. Mas não, ela escreveu isso, "o machismo não me incomoda" e publicou. Gente que não é sua amiga leu. Então, se tornou uma frase perigosa, assim como a afirmação de que a babá (uma bela mulata) não se importava com os "uivos, gemidos e assobios" dos homens na rua, numa declaração de anuência com um assédio descarado e descabido, não consentido. Eu quero que uma só mulher me diga que gosta de ser encarada de cima a baixo no meio da rua por um estranho de olhos lascivos, passando a língua na boca e dizendo obscenidades. Mesmo que eu não conheça uma única mulher que não goste dessas mesmas obscenidades, dos mesmos olhos lascivos e da mesma língua gulosa na intimidade das quatro paredes, com um homem que ela chama de seu, e por quem sente desejo. Quem não consegue ver a diferença?!
Assédio X flerteX respeitoX moralismo, racismo, preconceito...
Daria para pegar ponto por ponto daquele texto, que você pode encontrar no ‪#‎AgoraÉQueSãoElas‬, mas de repente me deu uma preguiça muito grande. Só queria dizer que minhas melhores amigas são mulheres. Que é com elas que eu tenho as trocas mais ricas, os afetos mais sinceros, e as risadas mais felizes. Eu não transo com elas, mas isso é detalhe. Poderia não ser. Queria dizer que eu gosto de homens, principalmente para o sexo. Alguns para muitas outras coisas também. Mas poderia não gostar. Eu queria dizer que pinto as unhas, o cabelo, gosto de me sentir bonita, sou vaidosa e a minha ideia de beleza é bem feminina (apesar de nunca ter usado cor de rosa quando criança, minha mãe detestava). Mas poderia não ser. Eu voto para presidente, prefeito, governador. Mas nem sempre. Queria contar que eu mato baratas, mas detesto. Que eu posso, eu quero, às vezes não quero, eu digo sim, digo não e talvez. E eu sei. Que eu só tenho essa liberdade de escolher ( e o que é a liberdade, se não escolher?) graças a elas, às feministas, às sufragistas (vejam esse filme, por favor), às Simones, Marias, Anas. A todas essas mulheres corajosas que vieram antes de mim, abrindo caminhos. A todas essas que estão, cada vez mais, numa luta contínua de desconstrução do sistema patriarcal e machista ainda vigente. Para essas meninas que vem agora, e depois.
Eu, como a Fernanda, odeio vitimização. E também estou numa idade em que venho me" tornando invisível aos peões de obra. "
Só que, ao contrário dela, isso não me atrapalha nem um pouco. Eu não quero ser um " homem fêmea. " Quero ser, apenas. Mulher. Sem medo de assustar um "homem para chamar de seu ( mesmo que esse homem...)", sem precisar (que é diferente de querer) de um homem para chamar de meu.
Quero voltar a participar da marcha das vadias, em sonhos e não. Pois se sonhos são projetos, só a ação é construção. Construção que não pode parar. ( Falta muito, ainda). E às vezes é preciso mesmo, gritar.

Dani Altmayer


Um comentário:

  1. " Não existem fatos, e sim interpretações."
    Sair de dentro de si e vestir-se com a pele do outro, ainda que ela não te sirva perfeitamente, me parece o único jeito verdadeiro de dialogar.
    Em tempos sombrios de patrulhas ideológicas, verdades absolutas e certezas indissolutas, mudar de ideia, reconhecer um erro e mais ainda, admiti-lo requer muita coragem e é um baita de um mérito.
    Palmas para a Fernanda Torres por sua humildade e lucidez.( veja o texto de retratação postado porela no mesmo site.

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