segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Pouca fé

 

Ela me contou que foi uma cura espiritual. Não usou os quimioterápicos prescritos para o longo tratamento da tuberculose pulmonar. Trouxe um exame de escarro negativo, tinha a pele acinzentada e devia pesar uns 40 kg. Quer retornar ao trabalho. Solicitei que me traga outras evidências da sua cura, como o raio-x e um laudo do pneumologista. Ela me olhou com certa pena, disse que entende que eu não acredite, e saiu em busca das provas.
Penso nela quando, ao voltar de mais um plantão, passo por um local chamado "pronto socorro espiritual". Tenho vontade de mandar o táxi parar, e entrar. Deus sabe como estou precisando de curativos, no peito, na cabeça, por dentro, onde quer que fique uma alma. Tenho alguns ferimentos feios, ali.
Gostaria de poder me ajoelhar aos pés de um homem ou mulher que seja, e receber de suas mãos a solução para todas as minhas dores, e para meu hipotireoidismo. Queria ganhar certezas, em troca de uma entrega verdadeira. Quem sabe, ao acender uma vela, se apagassem todas as perguntas, todas as dúvidas, quiçá até esses pensamentos, tão incômodos?
Talvez haja mesmo um culto, em que pessoas se deem as mãos, e cantem, ou gritem, palavras de ordem e amor, numa espécie de transe motivacional por repetição. Unidos pela ideia de que somos todos irmãos, eu receberia de volta uma fé que me convenceria. Seria só seguir a cartilha, e me deixar levar, sem desamparo ou incertezas. Fluir sem esforço, simples e fácil assim, feito desaparecer de si mesmo.
Cuidariam de mim, por mim. Alguém.
Então, eu poderia afinal desfazer essa estranha ideia que me assola cada vez mais, que é a de que os seres humanos, eu incluída, são (quase) todos uns loucos e perfeitos egoístas. Que o mundo é louco, e egoísta. Estaria livre dessa desconfiança, da solidão absurda de não pertencer.
Só que eu não parei. Estava com pressa de chegar em casa, e fazer outra coisa egoísta qualquer, tipo ler, descansar. Ou escrever um poema idiota sobre dor, sofrimento, mínimos de esperança e alguns contrapontos.
E, porque eu prefiro o poema à cura, acho que não tenho mais salvação. Devo seguir tomando o remédio da tireóide, toda as manhãs, para o resto da minha vida.
A paciente não voltou, ainda estou à sua espera.
Ela pensa que não, mas eu acredito sim, em milagres.
O problema é que eu também duvido muito. De tudo.
De todos, agora.

Dani Altmayer

3 comentários:

  1. Verdade Dani. Estamos, acho eu, com um caso sério com a melancolia.
    Lindo texto. Bjs

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  2. Tem uma citação da Joanna de Angelis que diz assim: 'Não terás como impedir as enfermidades que ceifam as multidões. Apesar disso, tens condições de oferecer as terapias preventivas de otimismo, da coragem e da esperança.' E é assim que vejo teus poemas. Se tu consegues escrever com toda essa paixão que passa sempre muita emoção quando os leio é porque de idiotas eles não tem nada e de egoista muito menos pois nos presenteia sempre a cada postagem...o poema é a cura...só tem uma pessoa que a ti não é permitido duvidar: de ti mesma. Tu com certeza és mais forte , corajosa e guerreira do que tu pensa. Cultiva a fé dentro de ti. Ajuda-te e os céus te ajudarás. Beijo no teu coração.

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