domingo, 6 de setembro de 2015

Mais que na hora


Uma das coisa que mais me incomoda no mundo é a hipocrisia, em qualquer relação. Ainda mais a minha.
A tela fica preta, e as luzes do cinema não acendem. A senhora sentada ao meu lado reclama do escuro. Eu não. Eu agradeço a privacidade para enxugar as lágrimas que embaçam meus óculos.
Durante todo o filme, não consegui entender o motivo das gargalhadas aqui e ali, como se fosse uma comédia a que assistíamos. Tinha partes engraçadas, sim, mas mesmo essas só fizeram me arrancar um leve sorriso constrangido. Talvez eles rissem de nevoso, como se faz às vezes, em velórios.
A patroa "gentil", a empregada servil, o marido desencantado, a casa no Morumbi.
O cachorro, o menino maconheiro, a faxineira, não falta nada no filme. Nem a fachada. Muito menos a fachada.
O abismo social brasileiro retratado, filmado e muito bem mostrado. A ambiguidade de todos os lados.
"Que horas ela volta"?
Um frágil e falso equilíbrio, inesperadamente quebrado com a chegada da filha (da empregada).
Eu me percebi, ali. Eu e tantos outros de mim. A tela ficou feito um espelho gigante, a arte é por vezes um espelho cruel. Não gostei de me ver tão feia.
Gostei de ver o outro lado, um lado que nunca foi meu, de verdade. Por mais que eu acreditasse que podia ser.
E gosto de pensar que as coisas estão mudando, nesse sentido. As oportunidades cresceram. Leis foram criadas. Um dia, quem sabe, ninguém precisará ser mais do que ninguém, porque não é menos. Como diz a Jessica no filme: "Eu não me acho melhor, só não sou pior". Exatamente.
Está mais perto o dia em que todos os resquícios desse vergonhoso passado escravagista serão enfim, extirpados e redimidos. Está chegando um tempo em que não se esvaziarão mais as piscinas. Nunca mais.
A Regina Casé está maravilhosa, mesmo. Esquece o Esquenta e vai ver. Um filme que faz rir só se for para não chorar. Que me fez chorar. Que faz pensar. Um baita filme!

Dani Altmayer

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