quinta-feira, 2 de abril de 2015

Longe demais





Se nada permanece igual, por que pensei que com a gente podia ser diferente?
Quem mudou primeiro não interessa. O que importa é que mudamos, os dois, no final. 
E não foi na mesma direção, como um dia eu pensei que seria. 
Talvez eu tenha demorado para perceber a sua mudança, me perdoa. 
Sei que agora é tarde demais. É  sempre tarde quando fica longe demais. 
E não fica longe demais de repente, como eu te falei naquele dia, aos gritos. 
Duvidei do seu amor de antes, aleguei surpresa, te acusei de traição. Fui injusto, eu sei. A culpa também era minha. 
Talvez mais minha do que sua. A verdade é que ninguém é culpado sozinho.
Todos esses anos e eu não te vi sair. Preso nas minhas preocupações e nas minhas coisas, tão mais importantes do que tudo, não te prestei atenção. 
O "felizes para sempre" me distraiu de você. Achei que, por ter te encontrado aos vinte, ainda te reconheceria aos quarenta.
Estava enganado. O ponto de partida é só um ponto de partida. Longe de ser o caminho. 
Eu não contava com a bifurcação. Você se desviou, e eu não te acompanhei. Te larguei na estrada triste da solidão a dois. Com meus silêncios e amuos, não te ouvi me chamar. Não te vi se afastar.
Queria te dizer que me custou muito, mas agora entendi. Tinha preguiça de mudar, para quê, se tudo parecia tão igual, e não era. Fui desleixado. Descuidado.
Sei que você vai ficar puta, pediu tantas vezes. Mas o fato de estar assim, sei lá, me deu uma coisa. Ontem eu me matriculei naquela aula de dança de salão, lembra? Você tanto queria, me desculpa.
Também estou fazendo academia. É que assim me obrigo a sair mais cedo do trabalho, antes de anoitecer. Não gosto muito das minhas noites, agora. Ainda me dói entrar na casa escura e vazia.  
Também estou lendo o livro que você me deu no Natal de 2010. " Os Segredos de um Bom Casamento ." 
Talvez, se eu tivesse lido antes, será?
Não precisa me responder, eu sei. 
Tarde demais. Longe demais.

Dani Altmayer

2 comentários:

  1. Amei. Imaginei o casal, a casa vazia, a dor da separação deles.
    Consigo "viver" tuas histórias.
    Obrigada.

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  2. Quando finalmente nos separamos, eu desabrochei. Toquei minha vida como queria e não parei para pensar em “se isso, se aquilo tivesse acontecido”. Fiz cursos, mudei de emprego, emagreci, conheci outros homens, conheci outras mulheres. Deixei o casamento de tantos anos no lugar do casamento de tantos anos: no passado. Já tivera o suficiente de alguém que se fechara e aceitara o entardecer sem querer mergulhar na noite. E lá se vão dois anos e acho que estou bem.
    Vou pela Padre Chagas, romantizando como Porto Alegre no outono assume uma cor whisky, que chega através dos galhos dos jacarandás. Acomodo-me no sofá de algum café qualquer, bebericando um americano e sondando os primeiros parágrafos de “Os Embaixadores”, do Henry James.
    Em frente acendem o luminoso: “Madame Laura – Danças de Salão”. Ha! Foi-se o tempo em que minha maior ambição era carregar o Juca para uma aula daquelas. Pelo salão envidraçado pode-se ver os alunos saracoteando em valsas, mambos, rumbas... e o Juca dançando salsa, agarrado na morena do 6° andar do nosso prédio!
    De repente meus óculos parecem pequenos, sinto minhas sobrancelhas puxadas e meu coração para. “Como assim agarrado naquela zinha do 6° andar?” Um zunido nos ouvidos. O casal dança, sorridente e agarradinho. Minhas pernas tremem e nesse desatino, afogo “Os Embaixadores” com o café americano.
    Ele tem outra. Ele mudou, eu dancei.

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