sábado, 14 de dezembro de 2024

Para JP

 



" sempre não se trata disso"


o menino que nasceu de mim
não o reconheci de instante
era outro nos sonhos grávidos
não esses olhos tão claros
esses cabelos poucos tão alvo
o menino que nasceu aos berros
que veio para meus braços de estreia
conheci pelo cheiro e não acredito
em instinto o menino veio com todos
os clichês que abomino engolindo
meu leite minha alma a vida como
era o menino era o caos o amor
outra coisa qualquer que não se diz
não se traduz ou se explica ele veio
e eu que não acredito em instinto
acredito
e agora não há poema onde ele caiba

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Essência


Tento a poesia e descubro logo

não há jaula que prenda o poema
é um pouco
o perfume da mãe morta cujo nome esqueci o da caixa azul guardei por anos
é um pouco
aqueles olhos meninos fixos
em mim bolinhas de gude querendo respostas - guardei por anos
- à espera de quem sabe algum dia
é um pouco
o gosto de outra boca
outra rota as múltiplas escolhas
é um pouco algo que poderia ser
um talvez
aquela saudade escondida entre os
seios o cheiro das lágrimas no travesseiro
é um pouco
a alegria fugaz de um encontro a verdade
mais rara mais simples um então é isso
(a)guardei por anos quem sabe
seja pouco
quem sabe a poesia mas eu duvido

sábado, 7 de dezembro de 2024

Caleidoscópio

 


E quando esse tempo virar outros
tempos os velhos , bons tempos

haverá essa mulher confusa
ou será outra a mulher de agora?

será ela feliz sem saber e todas essas
lágrimas já sem importância a memória

essa ilha de edição já dizia o poeta onde
outros tempos são sempre os melhores

no meu tempo alguém diz e a roda gira
alguém sempre diz e não se sabe na hora

se o tempo que vale é o do hoje um inteiro  ou o da memória múltiplo facetado

o desatento cotidiano engole minutos e décadas
atenção plena essa utopia talvez a gata

a gata que dorme ao sol ela não sabe do tempo quiçá se dia noite chuva ou vento

a gata se espreguiça mata uma borboleta
pede comida, come e volta a dormir

a mulher confusa se perde em nostalgias
há sempre uma nostalgia para quem sabe

talvez só a gata seja feliz ou felizes são
todos que podem- dizer de bons tempos


quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Ímpar

 


na tarde de sol enviesada
a luz se deita e nós
o reverente deleite
gotas de suor na tua
nuca branca coxa
o fio invisível
invencível

uma única nuvem no céu
o grito seco dum trovão
ainda é cedo mas
já é saudade

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Ridícula


A saia pelo joelho 
o cabelo cortado à revelia
surto de piolhos na escola
não importa
o cabelo era a única coisa
bonita perfume de lavanda
o riso dos adultos na sala
o nariz enfiado nos livros
as (des)vantagens de ser
invisível

(ninguém nunca fala
da imensa solidão
de ser criança)
 

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Óxido





o rosto embaçado no espelho

linhas que não me pertencem
sardas a ferrugem pontilhada
sinais de umidade diz ele
sinais do tempo, sei eu

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Se...




O primeiro roubado numa esquina

 de língua atrás da obra

os treze e o medo do pai

que alguém tenha visto

corre três quarteirões fôlego

de menina espanto de nojo e

prazer a inocência de quem ainda

acredita em fadas em contos

- engodos românticos

aquela garota se ela soubesse

o que a mulher agora

o que toda mulher nalgum tempo

talvez, e não posso afirmar

mas quase- a menina teria

corrido menos 

domingo, 22 de setembro de 2024

Silentes



Regar as flores

ver brotar as mudas

silêncio de semente

e essa saudade viva

pássaro que não voa

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Fogos




Atrás do parapeito a cortina

distorce o horizonte a névoa
encobre o azul
o sol uma bola de sangue
arde um país e eu

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Pares



Viver em pares

como na arca

sobrevivência

mais vale
a soma
que a solidão

caber ou não
moldes
silenciosos

cotidiano
testemunha
e algoz

dois pra lá
dois pra cá

ímpar
aprendo a dançar
me atrapalho

um passinho atrás
por favor

sábado, 18 de maio de 2024

Das coisas que me tocam


água em todos os sonhos

ontem um homem mostrou
o colchãozinho nas palavras dele
uma televisão de tubo
as coisinhas ele fala no diminutivo entrecortado de lágrimas
as coisinhas molhadas perdidas
de novo
num quartinho que pensava seguro
segundo andar
porque da segunda vez achamos
que estamos preparados
são milhares na soma mas
nenhum número dá conta

da dor de um sozinho

domingo, 5 de maio de 2024

Resgates




 Passei a noite com

Água pelo pescoço

Ele disse
Ele vivo
Outros sem a sorte

Cordões humanos
Esperança em botes
O que nos comove
São os gestos
Os heróis sem nome
A solidariedade em meio
Às águas barrentas
Os sonhos inundados
O que nos entristece

É o descaso a negação
O rio não é o culpado
O vulnerável está sempre
À margem

Vidas partidas feito a casa
Refugiados climáticos
A catástrofe anunciada
Há bem mais de uma geração

sábado, 3 de fevereiro de 2024

We are the world


O ano era 1985 e a década de 80 (1980s) ia ao meio. Que década, senhores. Quem viveu, sabe. Aquela música se tornou rapidinho uma música chiclete, todo mundo sabia cantar, ainda que de um jeito errado. We are the world, we are the children. Ficou quase chata depois, como chato é tudo que se repete demais. Mas foi emocionante no seu tempo. Todas aquelas estrelas, todas aquelas vozes diversas, únicas, unidas por uma canção. Por uma causa. Uma causa que ainda existe. Que persiste. Infelizmente, a fome ainda é um problema para grande parte do mundo. Um problema nosso.

Ontem assisti ao documentário A noite que mudou o pop, que mostra os bastidores da criação e gravação dessa música icônica. Tinha tudo para dar errado, e não deu. Graças à genialidade daqueles artistas, cantores, o arranjador, a produção. Que bom que deu certo.
Viajei no tempo no embalo daquelas vozes.
Lembrei da voz bonita e afinada da minha mãe. Lembrei dos meus 15 anos e da efervescência daqueles anos.
Ao fim do filme, uma fala de Lionel Richie me chamou atenção: the house will be there
But not the people in the house. Algo assim.
Tantos deles já não estão lá. Minha mãe não está mais aqui. Assim, que a casa não é o mais importante. A gente sabe, ou deveria, mas esquece.
Que bom que existem as músicas a eternizar instantes. A nos trazer saudades.
É desse jeito que as luzes da memória se acendem.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

trinta e um




finda o primeiro mês do corrente ano 

nenhuma resoluçâo foi cumprida

ainda que nenhuma tenha sido feita

as palavras seguem de férias nalguma

praia de águas mornas e vento ameno

enquanto eu trabalho sob os arranha-céus

sobre o asfalto quente alguém tem que


ainda assim as promessas de fevereiro

os últimos suspiros do verâo e suas delongas

na minha cidade o céu se pôe infinito 

as nuvens estâo muito perto 

quase dentro

sinto outras saudades e tudo bem assim 

também é bonito


sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Voa, JP




Hoje é dia de celebrar. Celebrar muito mais que a conquista do diploma, celebrar a vitória. Te ver formando, formado. Em direito, e na vida. Mais do que o curso universitário, que é uma baita conquista e é toda tua, o que me deixa mais feliz é te ver preparado. Te saber maduro, ético, generoso e gentil. Teu equilíbrio, teu bom senso que sempre foi bem mais alto do que o meu, mesmo quando tu ainda batia na minha cintura. Teu olhar azul, claro e profundo, enxerga muito além do que se pode ver.

Tua visão de mundo me enche de orgulho. Tua trajetória, idem. Em especial neste ano que passou, de tantas mudanças ( que tu tirou de letra), tantos desafios e êxitos. Ter acompanhado teu crescimento foi um privilégio e uma alegria, e que bom que é estar do teu lado e compartilhar mais esse marco tâo importante.

Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida, uma nova etapa começa, diferente, desafiadora, mas que coisa linda é ver que tu tem a base e todas as ferramentas para construir uma bela história. Que tu possa contar comigo, quero estar por perto, por muitos capítulos ainda.

Uma vez, aos 8 anos, tu me disse que eu tinha sorte de te ter como filho. E nâo é que tu tinha razão?

Parabéns, JP. Tu é um baita cara. Minha pessoa preferida no mundo e o advogado mais gato de 2024. Te amo.