quinta-feira, 16 de março de 2023

Turbulências

 



A cabeça erguida, uma perna, depois a outra, depois a outra,no ritmo aprendido, incorporado, o barulho dos saltos abafado pelas vozes e chamadas nos alto-falantes, a saia justa na bunda agora grande, bunda demais para corredores cada vez mais estreitos. 
Envelhecer é uma merda. 
Ignoro a dor nos joelhos. Confiro na minha bolsa. Estão todos ali, os brancos e os azuis. Depois do embarque, depois do antidoping, depois eu resolvo. Já estou quase atrasada, mas preciso ir ao banheiro. Dor de barriga. 

Júlia está no toalete, retocando o batom. 
- Oi Nice, óculos novos?
O voo é longo, está lotado, um dos pilotos é bipolar não medicado, metido a pegador e a atual mulher do meu ex-marido é a comissária chefe.
A noite promete.
- Oi, Júlia.
Guardo os óculos no estojo, ainda não me acostumei com as lentes multifocais. Ela arruma o coque, ajeita a camisa na cintura fina, alisa a barriga que nunca pariu. Me avisa que vou ficar na primeira classe.
- Tem mais espaço para você.
Engordar tem lá suas vantagens, afinal. 
Não respondo. Lavo as mãos lentamente.  Quero que ela suma, mas ela não tem pressa. Observo nosso reflexo no espelho de corpo inteiro. É isso. Uma merda.
A súbita onda de calor me deixa o rosto vermelho, rodas de suor marcam minhas axilas, afrouxo o lenço no pescoço. 
Ela me olha, fresca e sorridente, me alcança um lenço umedecido.
- Vamos? Está na nossa hora.

De volta à oficina de escrita❤️


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