segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Finados

 


Todas as minhas escolhas me trouxeram até este lugar de solidão, e que eu não me engane, sempre foram escolhas. Algumas sem consciência plena, não menos escolhas por isso.

Minhas leituras, escritas, pedaladas ( ô saudade) se alimentam de silêncio e quietude, minha profissão exige fala e escuta, interação plena e atenção. 

Eu achava ter o equilíbrio perfeito entre estar no mundo e ter um refúgio.
Mas este ano roubou minha solidão, ou seria minha solitude? Este ano roubou minha solitude e a trocou por solidão.
Todos os bons encontros foram interditados.
Não vejo meu pai há meses, não o abraço há quase um ano. Minha menina predileta não vem para o Natal. Minhas amigas, eu as reconheço através de uma tela.
Atravesso os dias através de uma tela.
São tantas as mazelas deste annus horribilis, que é impossível contar e olha que tenho sorte.
Hoje é dia de finados, sinto alguns sintomas de gripe. Mas sei que talvez não seja. O mais provável é que o corpo pese pelo cansaço, que a garganta arranhe pelos risos perdidos e lágrimas contidas, pelas vidas arrancadas e pela nossa pátria, assim subtraída.
São muitas as razões para ser grata, em perspectiva. E eu não sou ingrata.
Mas hoje eu me permito o luxo do luto.
Em respeito à morte que nos ronda, à perda de tantos amores, a todos os abraços que não foram dados: meu choro contém infinitas saudades.

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