domingo, 12 de maio de 2019

Maternidade em linha torta







e eu, tantas vezes cansada, tantas vezes chata, tantas vezes má
eu, tantas vezes irresponsavelmente egoísta,
indescupavelmente mulher

eu, que tantas vezes não tive paciência de sentar no chão
e brincar, tantas vezes séria
irrespondivelmente ocupada,
eu, que mal vi o tempo passar

eu, que tantas vezes fui e sou louca, absurda
eu, que sou essa pessoa confusa que grita
e se descabela e logo perdoa, esquece
e te acolhe nos braços já curtos para
tua enormidade

eu que tantas noites acordei e acordo com teu murmúrio,
com teu choro, tua febre, teu vômito
tua chave no buraco da fechadura

eu, que sou ridícula, que rio na hora errada,
que digo palavrão o tempo todo
que me emociono toda e choro à toa

eu, que falo de coisas sem nexo,
que te ligo para lembrar que existo
e também encher teu saco
para não perder tão cedo tua conexão

eu, que não sei fazer bolo, que não prego um botão,
eu, que só cozinho o que quero,
e quando
que tenho na pipoca minha melhor opção

eu, que sou modelo de nada,
abnegada de nada
exemplo de coisa alguma

em resposta ao poeta, confesso
não o pecado mas a infâmia
de amar tanto e tão profundamente
e ainda assim ser tão descuidada

o que me consola são os teus olhos
tua altura
o teu amor implicante, inequívoco
nosso afeto disfarçado de cotidiano

na perfeição que não existe
nos reconhecemos, os dois

o que me consola em ser tão falha
é saber, diferente do poeta,
que eu não ando só

tenho em mim todas as mães (e as mulheres)
do mundo

Daniela Altmayer

Para todas as que vieram antes, as que vieram junto e as que ainda virão
Para todas que tem outro coração batendo fora do peito e não entendem nada
e se atrapalham também
Que sejam revogadas, desde o princípio, todas as culpas.

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