domingo, 6 de janeiro de 2019

Aquela gaiola




Se tem uma coisa que não dá para esconder nas fotos, é a tristeza que os olhos dizem. 
Nas nossas fotos antigas, tudo que vejo é o sorriso cansado num olhar que não brilha. 
Foram tantos anos detonando a esperança em doses diárias de queixas cotidianas, foi um trabalho lento e persistente que acabou por matar cada pedaço de alegria, como se a vida fosse uma ofensa, com suas cores vibrantes, meus vestidos floridos, minha pele ainda jovem, negligenciada em toques e afetos, os feitos sempre desfeitos, as flores negadas, deve ser por isso que hoje uma única rosa me conquista, que os lírios com os quais eu mesma me presenteio enchem a minha casa de um perfume que me inebria, deve ser por isso que eu presto tanta atenção agora, porque a morte lenta é como aquela história da panela e do sapo, a gente não percebe que a água ferveu até ser tarde demais, e eu não quero nunca mais um tarde demais. 
Porque morrer é relativamente fácil, e até indolor quando nesse processo inconsciente de se deixar anestesiar, ser sedada, envenenada aos poucos, reviver é que é bem mais complicado, dói bastante e leva tempo, prova disso é que ainda preciso escrever esse texto, tantos anos depois, e ele não é sobre você, ainda que seja, nada mais é sobre você, é sobre mim e uma necessidade de entender, sabendo que nunca vou entender, numa precisão de me perdoar, por vezes acho que já perdoei, então eu me deparo com uma foto daquele tempo, e uma estranha me devolve o olhar opaco, e eu volto àquele lugar de cegueira com uma lanterna e uma lupa, tentando decifrar onde, como, e o mais difícil de tudo: porquê.
Por que acreditei, por tantos anos, que a minha imagem era mesmo a dessa mulher pálida, sem viço, quase apagada, que eu via refletida nos teus olhos? Teus olhos, velhos espelhos embaçados por uma dor que era só tua, a princípio, depois foi minha sem nunca ser.
Talvez eu jamais encontre esta resposta. Mas o certo é que foi através da escrita que ganhei meu salvo- conduto, a minha liberdade e tudo de lindo que veio com ela. Tudo isso que agora brilha, vibra, de um jeito imperfeito, imprudente, maluco, mas que me deixa viva, corajosa, e quem sabe até, um pouco mais bonita.
Hoje, sorrio de corpo inteiro. E choro também inteira. Porque mesmo sem saber como entrei- e fiquei- sei muito bem para onde eu não quero, não vou mais voltar.

Daniela Altmayer

Nenhum comentário:

Postar um comentário