domingo, 22 de abril de 2018

Os nós invisíveis



Em todos os olhos existe um ponto cego onde a luz não consegue entrar.
Eu temo a cegueira total, mais ainda do que essa ausência de lágrimas que me corrói.
Eu, que já quase não sei chorar.
A poeira dos anos embaça meu olhar, embora a dor do mundo encontre cada vez mais espaço no meu peito, na dor que é também a minha.
Em cada ser eu me reconheço, mendiga.
Meus olhos estão secos, mas de olhos fechados ainda consigo ver o homem sentado na calçada, cão sem dono.
A solidão tem quatro patas e uma cor suja indefinida, um rabo que balança em vão, uma pergunta sem resposta.
Até onde se pode enxergar, a vista que a vida não alcança?
Somos todos esse homem ao relento. Eu sou.
O cachorro fiel abandonado que sequer ousa sonhar com a carne
Para quem um osso apenas bastaria.
Quiçá um olhar mais demorado.
Ainda que turvo e embotado pela poeira acumulada, pelo desengano lento.
Pelo cansaço extremo destes dias.

Daniela Altmayer



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