domingo, 21 de janeiro de 2018

Um quase encontro





No calor de janeiro as calçadas do centro seguem apinhadas de passantes, ora apressados, ora sonolentos. Elas estão cada vez mais estreitas devido aos vendedores ambulantes, imigrantes que disputam o já precário espaço vendendo óculos, bonés, carregadores de celular, caixas de som que tocam funk -invariavelmente- e aquelas bermudas esquisitas sem fundilhos, de uma marca conhecida.
Tudo meio irregular, as vendas e as sujas calçadas esburacadas.
Por isso não estranhei ao ser atropelada por um pedestre apurado que quase caiu em cima de mim, tropeçar é comum tanto no centro da cidade, quanto em qualquer pavimento de qualquer lugar dessa Porto Alegre tão mal cuidada. Sua bolsa de couro bateu na minha sacola de livros, e me virei em sua direção, esperando o pedido de desculpas que não veio, quase nunca vem.
Você seguiu seu caminho, sem olhar para o lado, sem olhar para trás- como fez também há tantos anos, e eu fiquei parada, seguindo seu passo, observando seus cabelos mais ralos e mais brancos, o andar um pouco desengonçado, me pareceu mais magro, mais baixo do que recordava- faz muito tempo, uma eternidade talvez.
Queria dizer que senti teu perfume, ainda lembro dele, mas o único cheiro no centro é de suor e cigarro, o pipoqueiro está de férias na praia e o habitual odor de pipoca doce está ausente da esquina onde por acaso nos esbarramos.
Por alguns instantes meus pensamentos voltaram a outro tempo, algo como uma outra vida, enquanto você ia ficando cada vez menor e mais longe, até se perder na distância e se dissolver na multidão. Como todos.
Um estranho que eu amei.
Quis te chamar, dizer um olá, puxar um assunto qualquer- a voz não saiu, não faria sentido e você não me ouviria na balbúrdia da tarde quente. O tempo tem dessas coisas, já dizia o Roberto: transforma todo amor em quase nada.
Volto a andar, da caixa de som a paradinha martela insistente meus ouvidos cansados. Os primeiros pingos de uma chuva de verão molham minha nuca suada. É preciso correr agora.
Você não me viu, ou fingiu não ver- e tudo bem: não nos reconheceríamos mesmo.

Daniela Altmayer

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