domingo, 5 de março de 2017

Solidão com vista pro mar

Foto de Dani Altmayer- Cassino/RS



"... a esperança se prolonga e o charme da ilusão dura o mesmo tempo que a paixão que a causa."

Eu nunca te iludi, ele disse. Ótimo, ninguém quer mesmo ser iludido.
Acontece que a ilusão era o sabão que fazia as bolhas. Era a areia que ela usava para fazer castelos. Castelos que se desmanchavam a todo instante, e eram refeitos com delicadeza e uma dose de esperança, porque como bem disse Rosseau, se a felicidade não vem, a esperança se prolonga e a inquietude é também um tipo de alegria. A brincadeira é um tipo de inquietude, de leveza, prima-irmã da ilusão.
A ilusão nunca nos é dada, ela é criada pela gente.
Ela sabia disso, mas gostava de soprar o canudinho, de sentir a areia escorrendo pelos dedos, construindo torres e bolhas que qualquer onda ou vento mais fortes poderiam desfazer. Escrevendo poemas à beira mar, ela era feliz sem ser, em estar.
Ela, que nunca na vida teve um amor pontual. Ele sempre chegou atrasado. Não lembra mais de um dia ter dito "eu te amo" e ter recebido a resposta no ato. Essa resposta veio, sim. Muitas vezes, muitos anos depois. Os "eu te amo" sempre chegaram tarde demais. Quando já eram desnecessários ou vãos.
"Eu nunca te iludi".
Pode parar de brincar, a areia virou concreto e silêncio. E ela, que não sabe lidar com concreto, massa corrida e pás de cal, pensa que o que a fez amá-lo, é o mesmo que vai fazê-la partir ainda amando. Sua vida, blindada. A falta da ilusão, assim decretada, a deixou sem saída.
Ela vai, porque ele pode não amá-la. Ele não pode amá-la. Mas ela aprendeu a dizer a si mesma o eu te amo que tanto esperou ouvir.
Ela vai, porque precisa, ao menos uma vez ainda, mesmo sem qualquer garantia, ser pontualmente correspondida.

Dani Altmayer

"Onde não puderes amar, não te demores" (Frida Kahlo)





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