domingo, 17 de julho de 2016

Para dentro



O lago reflete o céu acinzentado do início de outono. Eram seus dias preferidos, estes em que não se distingue a linha do horizonte na água. Um vento fraco a faz levantar a gola do casaco, em breve vai fazer frio. Pedala devagar, não tem mais pressa. É muito cedo de manhã, e a orla está quase deserta. Um homem de roupa verde e um cachorro passam por ela, correndo.
Lembra de um verão no passado, dos vendedores de sorvete, dos carrinhos enfeitados por balões de gás coloridos. Lembra dos risos. Ecos agora distantes, que se embaralham em memórias outras. Passeios, pontes, esperas. Os corpos quentes ao sol morno de um janeiro, a placidez de espelho no lago. O toque áspero das mãos em contraste com a leveza tépida da água. A muda, mútua contemplação.
O lago, onipresente e tranquilo. Como era, então. (Como ele.) Com suas águas lentas e profundas, feito uma felicidade que brota do nada, numa calma sem motivo aparente.
Sem dor. Sem dor.
A bolha se desfaz. Sente falta de ar, a força está no limite. O vento agora sopra mais forte, o lago encrespa-se levemente, desfazendo a imagem do céu. Larga a bicicleta na calçada e caminha na estreita faixa de pedras, tira os sapatos e sente a rudeza do solo que conhece de uma vida inteira. Sente a saudade cortando seus pés. Experimenta a água gelada do lago de sua infância, alguns pingos de chuva começam a cair pesados, ardendo em seus olhos ácidos. O homem de verde e o cachorro perderam-se de vista, não há ninguém por perto além da névoa.
Num suspiro resignado, quase contente, levanta um pouco o vestido. E espera.

Dani Altmayer
( Texto- desafio para a foto enviada pelo meu primo "she always loved the lake")

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