A aspereza das palavras na tua língua triste tocas naquele ponto exato onde o gozo explode a dor e só eu conheço o quanto te custa me custa sermos sós estarmos nós
Entre Tantos
sexta-feira, 20 de junho de 2025
Nós
A aspereza das palavras na tua língua triste tocas naquele ponto exato onde o gozo explode a dor e só eu conheço o quanto te custa me custa sermos sós estarmos nós
domingo, 11 de maio de 2025
Para todes
Nem toda mãe, mas sempre uma mãe.
A louca, a distraída, a que sussurra e a que grita. A que dá conta, a que não, a que às vezes sim, às vezes nada. A que trabalha muito, a que abriu mão. A obssessiva, a esquecida, a que se preocupa- quase toda.
A equilibrada- equilibrista, a exagerada. A artista, a sensata, a maratonista. A que cozinha, a que queima o feijão. A que está sempre certa- quase toda. A que erra querendo acertar- toda, sem exceção.
A que é visceral, a sonhadora, a super, a suficiente. A que transforma impossíveis, a real, a falível- todas nós.
A que sabe demonstrar, a atrapalhada. A que vira bicho, que defende com unha e dente- quase toda, sempre uma mãe.
Adotiva, biológica, emprestada, de barriga, de coração. Uma mãe, duas. Pai que é mãe, existe também.
Mãe é quem cuida.
Para todas as pessoas que exercem esse papel, meus parabéns. Porque não é fácil, pelo contrário, é um baita dum desafio. Dá um trabalho danado e interminável.
Ao mesmo tempo, é a experiência mais bonita e transformadora que alguém pode ter. Tantos adjetivos, um verbo: maternar.
Para todas, para as minhas duas mães, em especial, pelo meu filho: obrigada.
quinta-feira, 8 de maio de 2025
quinta-feira, 1 de maio de 2025
Segundo receita nenhuma
cacau canela ovos
uma pitada de açúcar
um limão azedo
de doce já basta
o fermento vencido
outras coisas vencidas
a dificuldade que é
seguir uma receita
dar certo mas insiste
inventar misturas
que fácil na vida
é desandar o bolo
quarta-feira, 23 de abril de 2025
Adeus à Eça
Mudar é remexer memórias.
Nas caixas, fotografias e cartas de um tempo em que ainda se revelavam coisas.Sem filtros, sem pretensão, de um tempo onde a perfeição não existia.
Cabelos desgrenhados, mangas bufantes, borrões e poses descuidadas, dedos intrometidos, rasuras. Palavras na máquina de escrever, em letras cursivas, afetos saudosos que chegavam por baixo da porta. Com selo e endereço, eram nossas entregas preciosas de então.
Cadernos de desenho, histórias inventadas, ilustradas, o amor registrado nos mínimos detalhes. A dor também.
O bebê no seio, os primeiros passos, os sorrisos, as viagens. Medalhas, diplomas, boletins e quadros. Cada um com seu porquê, sua trama, tecendo no tempo do apartamento uma vida inteirinha.
Os livros, travesseiros, cobertas, as coisas que já não fazem sentido, as eternas.
A louça lascada, um pinguim de pé quebrado, outra foto. Muitos álbuns, um problema: menos espaço. Descartar, escolher, sim e não.
Alguma lágrima inesperada, o choro incontido: mudar é remexer tudo, por dentro.
Sacos e sacos de lixo, caixas de doar, caixas para levar, desapegos e apegos colocados na balança de viver.
Tanta tralha, tanta pérola, tanto acúmulo.
Por que que a gente é assim?
As coisas são só coisas que nos ajudam a lembrar.
Lembrar que o que mais importa nesse mundo não se encaixota, e não é isso.
É aquilo que muda com a gente, sem nunca mudar.
O que faz um lar não são as paredes nem o CEP. É outra coisa infinita.
quarta-feira, 9 de abril de 2025
Novas paisagens
Aos primeiros acordes do outono
muda o sol na janela de estar
a despedida lenta abre outra
a poeira imensa
do que foi um dia foi
segunda-feira, 31 de março de 2025
Dessas coisas
Visito meus textos antigos, sempre um estranhamento.
Escrever tem disso.Fica gravado, e não importa se tinha vírgula demais, explicação demais ou excesso de esperança.
Vou por curiosidade, volto com nostalgia.
Envelhecer tem disso.
Quem era aquela eu, quinze, dez, dois anos atrás?
Mais jovem, mais filosófica, prolixa, menos cansada. Com menos rugas.
Prefiro textos a fotos, ambos denunciam o tempo, embora me reconheça mais nessas últimas.
Se as fotos marcam a passagem dos anos, ainda sou eu quem sorri por trás dos óculos.
Risos reais e falsos, sei identificar cada um. Nas fotos, menos nos textos.
Nos escritos me perco um pouco, crônicas datadas, textos de autoajuda estrito senso, coisas de princípio, meio e fim. De quando ainda acreditava em explicação.
Reflexões profundas, de um tempo em que nadava em outras águas, mais escuras. Tentava submergir. O título estranho do meu livro, o amor errado mais certo do mundo. Esse texto ( e esse amor) não enfraquecem em mim. Tem outros que também não. Mas tantos se perderam, nas ilusões passadas. Textos e amores. Obsoletos.
Viver tem disso.
Mesmo o que se perde fica gravado em algum lugar.
Um café e um jornal
Café passado, ovo e torradas
geleia com gosto de mãe
suco na lista proibidaentão não primeira coisa
sua pedra ametista cor
do dia azul cuidado
com viagens longas e
pessoas confusas mais
uma xícara as frutas picadas
nada espanta esse sono
essas noites sem trégua
homem matou mulher
mais um menos uma
as notícias apenas
mudam de endereço
meu time empatou ontem
eu não tenho time algum
outra xícara um vestido
azul nenhuma viagem
mas
pessoas confusas sim
em demasia
segunda-feira, 3 de março de 2025
O não carnaval
Segunda feira, carnaval alhures.
Duas crianças, duas histórias.
Duas mães e a mesma força.
O mesmo brilho no olho.
Não, ninguém "nasceu para ser mãe."
Instinto materno não é universal.
Mas que bonito é ver uma mãe lutando pelo seu filho.
Um com suspeita pouco fundamentada de autismo, muitas camadas ali- dificuldades escolares, pai doente crônico e teimoso, dependente para tudo, mulher sobrecarregada.
O guri põe abaixo o consultório enquanto ela fala, então abraça a mãe. Ela chora.
Quem cuida de quem cuida?
O outro apanha no colégio. Eu pergunto por quê, ele me diz que não sabe se é porque é negro, ou porque veio de escola pública. O que eles dizem? Eles dizem que é por eu ser diferente.
A escola diz que é coisa de criança.
Craque de futebol. A mãe segura firme na mão do menino. Tu é lindo. Eu gosto da minha cor, tá tudo bem, ele responde. Ela sorri.
É carnaval em outros lugares. Confete, serpentina, contrastes.
Diversidade.
Ah, diversidade. A falta que ela nos faz, no dia a dia.
domingo, 2 de março de 2025
Notas
Abro o caderno de notas
listas de supermercado
farmácia coisinhaspara serem lembrados
senhas e CEPs se confundem
a lista de livros a ler e os lidos
desse ano, do outro, de antes
nomes de filmes séries poemas
escritos roubados rascunhos
palavras sem contexto espantos
as notas da terapia- editadas
para que não doa tanto mas dói
o bloco que não é de carnaval
nem é fevereiro mas faz calor
e as histórias que contamos
são sempre e apenas tentativas
ainda que
baseadas em vidas reais