sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Cores


 

É tudo tão branco aqui. Eu acho bonito. Vocês, as enfermeiras, os doutores, são todos muito simpáticos. Nunca estive num hospital antes. Pari os cinco em casa mesmo. A Tonha que me ajudava. O marido ou tava fora pescando, ou na cachaça. A cachaça foi que matou ele, sabe? Morreu cuspindo sangue, nos meus braços. Fiz a cova na beira do rio, pode não parecer agora, mas esses braços tinham força. Foi pouco antes daquela enchente, não lembro o ano. Os meninos já tinham se ido, um para o colo de nosso senhor, o anjo Joaquim, os outros para a capital. Tudo macho, é assim, tivesse parido alguma menina não estava sozinha agora. Tem neto que não conheço. Desculpa se falo demais, tanto tempo que a Tonha se foi, era eu e os cahorros, as galinhas, o gato Tomé. Com o gato Tomé eu conversava bastante. Fiquei triste quando se foi, enterrei do lado do marido. Acho que gostava mais do gato que do Zé. Homem suga a gente, sabe? Ainda mais quando é cachaceiro. Essas rugas aqui, você pensa que é do sol, é da lida na roça. Que nada. Pode não parecer agora, mas eu era a mais bonita da vila. Saí de casa com 15 anos, atrás de homem pescador. Homem pescador não presta, a mãe dizia. Plantei milho e criei galinha a vida toda. Nunca bebi uma gota, tinha o corpo forte que só vendo. Meu vício era só a palha mesmo. Gostava de fumar na varanda, vendo o dia acabar, ouvindo rádio às vezes, às vezes ouvindo a tristeza do rio. Agora os doutores falam que essa doença é disso. Eu acho que é de outra coisa, sabe. Que eu tô magrinha assim é de saudades.
É tudo tão branquinho. Mas é bonito.


Texto para a oficina de escrita

Imagem: Entre folhas, óleo sobre tela, de Augusto Vieira

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